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- Psiu! Quieta!
- Mas eu tô com fome!
- Dá logo essa pipoca prá menina, Adelaide.
- Peraí. Ai, como ele é lindo...
Adelaide, nossa heroína, é uma jovem decidida, curiosa e romântica. Do alto de seus incompletos 16 anos, seu maior sonho é sair de sua cidadezinha e viver uma vida de estrela de cinema, ao lado, é claro, de um ator incrivelmente famoso. Um desejo nada incomum na cabecinha fértil de uma jovem sonhadora.
Seu refúgio são as salas do Cine Marechal. Nelas, seu pensamento voa e ela se imagina vivendo todas as aventuras, curtindo todos os momentos românticos e de grande paixão, contracenando com astros e estrelas tão conhecidos e familiares, num mundo onde todos falam inglês, é claro, inclusive ela. Sua admiração pelo mundo do cinema é tão grande, que muitas vezes Adelaide confunde realidade e fantasia.
Suas melhores amigas são Neide e Cidinha, que dividem com Adelaide o gosto pela sétima arte, mas muito mais realistas e interessadas nos moçoilos da cidade mesmo.
- Ai, que tédio!
- Adelaide, pára de reclamar da vida, mulher.
- É, Adelaide. A vida aqui é tão boa, tranqüila...
- Esse é o problema: não acontece nada nessa porcaria de cidade! Ai, como eu queria que um grande astro viesse me buscar aqui, me tirar desse fim de mundo!
- Adelaide, Alegria não é uma cidade tão ruim assim de se viver.
- Alegria? Essa cidade é uma tristeza de dar dó!
- Ai, Adelaide!
Além disso, Cidinha e Neide partilham entre elas o gosto pela mais marcante paixão nacional: a televisão. Acesso às novelas, notícias, programas humorísticos, logo ali, na sala de suas casas, sem se preocupar em que roupa vestir para agradar os brotinhos. Só mesmo Adelaide ainda não se interessara pela “caixa mágica”, sempre pensando em seu grande amor da semana, ou da última sessão de cinema.
Adelaide é uma moça bonita mas de temperamento forte, como Catarina, de “A Megera Domada”. Ela quer escolher seu amor, não ser escolhida. Alguns já tentaram, mas ela não cede. Entremeando realidade e fantasia, ela vai levando sua vida até que um dia um grande astro a leve dali. Sua persistência em seu desejo é tão intensa, que Adelaide humilha o pobre do aprendiz de padeiro Pereirinha, filho do senhor Pereira. O triste rapaz a segue por todos os lugares, suplicando um olhar, um gesto, uma palavrinha, e nada. Ao seu lado, Adelaide imagina uma vida inteira atrás do balcão, com seus filhos se tornando padeiros, seus netos...
Adelaide preocupa a mãe, Dona Nair. Mal come, vive suspirando pelos cantos. Toda semana, um nome de homem diferente: Guilhermo Alejandro, Felipe Anselmo, Mateus Ventura, Lourenço Aguiar... e sempre apaixonada por todos. Mal come. Diz que se alimenta com o seu amor...
- Menina, amor só enche barriga quando a moça engravida. O que você andou aprontando, Adelaide?
- Ai, Dona Nair!
Sua mãe faz o que pode para conter as loucuras da filha. Vive ajoelhada em frente ao seu altar para Santa Rita de Cássia, com seu terço na mão, pedindo paz e juízo para a filha desvairada:
- Ai, minha Santa Rita de Cássia, ajude a Adelaide! Faça com que ela crie juízo, que esqueça de uma vez por todas essa história de cinema e arrume logo um bom namorado para fazer um bom casamento. Tô vendo que ela vai ficar é solteirona e pra titia, que Silene tá é cuidando da vida dela.
Adelaide, em seu quarto, também reza para sua Santa Rita, mas não aquela mesma de sua mãe:
- Ai, minha Santa Rita, minha Santa Ritinha. Minha Santa Rita Hayworth, faça com que meu príncipe encantado de Hollywood venha logo me buscar, para o meu casamento dos sonhos. Não quero ficar solteirona! Ah, e me faça ficar poderosa como a senhora em “Gilda”, por favor. Amém.
Adelaide possui excepcional talento para copiar os figurinos de suas musas inspiradoras. Vira noites debruçada sobre a máquina, cosendo, procurando o que fazer naquele lugar, o que acaba lhe dando uma boa idéia: já que possui energia e tempo de sobra, além de ser boa em copiar vestidos, por que não costurar para fora? Como diria sua mãe, “distrai a cachola de besteira, e também vai te dar um dinheirinho”.
E assim Adelaide seguiu levando sua vidinha. Foi com orgulho que viu seu trabalho ser requisitado por todas as senhoras de Alegria, tornando seu mínimo espaço de produção no “Ateliê Adelaide – costuras de classe”. Costurava dia e noite e ainda com três ajudantes, pois sozinha não dava mais conta. Mal via Neide e Cidinha, que namoraram, desmancharam, namoraram, até noivarem e se casar, deixando a cidade muito antes de Adelaide, que já se aproximava dos 30. Neide se tornou professora na capital e vizinha de Cidinha, que perseguiu seu sonho e se tornou garota-propaganda na televisão. Vendia de tudo, mas o que mais gostava era de anunciar produtos alimentícios.
A mais nova e, por incrível que pareça, duradoura paixão de Adelaide era Leandro Villar, astro do cinema paulista, protagonista de fitas badaladas como “Sem fronteiras para amar” ou “Colinas da Paixão”, um tipão. Sua mais recente produção, “Amor do interior” procurava um local ainda bucólico para as filmagens, e anunciaram justamente gravar em Alegria alguns trechos. Como Adelaide amava sua cidade!
A praça principal estava escura de tanta gente, fios e equipamentos. Adelaide tenta daqui, se estica dali, e consegue ver o que acredita ser o pescoço de Leandro Villar, o mais perto que já chegara de um astro de cinema. Esperará atentamente que acabem para correr e lhe falar qualquer coisa, se não estiver emocionada para tanto.
Mas aquele dia passava devagar. Horas e horas onde cenas se estendiam, sem Adelaide entender. Quantas vezes repetiam o mesmo trecho, arrastando a câmera, e de novo, e mais uma vez. Nunca havia imaginado que ver uma produção assim, de perto, seria tão... chato. Cansou. Precisava ir ao banheiro.
Adelaide sai correndo por entre a multidão, quando tropeça em um dos muitos fios, ou pés, não se recorda. Só sabe que tropeçou, caiu e bateu a cabeça, o que comprova a fina cicatriz que ficou depois. Acordou com o céu escuro sobre si, de pessoas amontoadas, curiosas. Entre elas, segurando sua mão, Leandro Villar. Só podia estar vendo coisas.
- Me deixem passar, é minha filhinha, Adelaide! - gritava Dona Nair.
- Eu estou bem, estou até vendo estrelas – respondeu uma atordoada Adelaide.
- Calma, minha pequena. Você sofreu um pequeno acidente, mas está bem. Eu a levarei para casa, daremos uma pausa – disse Leandro Villar, voz suave, com todo o charme que ela via na sala escura do cinema.
- Isso, mãe, ele me levará daqui, eu falei...
- Moço, vamos logo, ela tá delirando!
- Se eu estiver delirando, por favor, não me acordem!
Adelaide voltou para casa nos braços de Leandro Villar, super astro, seu astro, o grande amor de uma vida. No caminho já se imagina entrando na mansão deles, recém-casados, os três filhos lindos e bem cuidados, as festas que iriam, a vida que levaria...
Leandro Villar limpa com cuidado o machucado em sua testa, ali, tão perto dela.... Aqueles olhos! Sempre lhe denotavam algo familiar, mas assim, tão próximo, a suspeita crescia, urgia, gritava:
- Perei... Pereirinha?
- Eu.
- Você é Leandro Villar?
- Leandro Villar sou eu, sim.
- Mas por quê?
- A garota por quem eu fui apaixonado era louca por astros de cinema. Um dia, um amigo de um amigo precisava de um figurante para uma produção, eu me ofereci, fui muito bem, e aqui estou.
- Por que Leandro Villar?
- Antonio Afonso Ramos Pereira não é nome de ator famoso, não acha?
Leandro Villar, Pereirinha, pega as mãos de Adelaide.
ADELAIDE
E a garota?
PEREIRINHA
(irônico) O que tem ela?
ADELAIDE
(num muxoxo) Não é mais apaixonado por ela?
PEREIRINHA
Não.
ADELAIDE
Ah, que pena.
Adelaide vira o rosto para esconder as lágrimas. Pereirinha pega seu queixo e a faz olhar para ele.
PEREIRINHA
Hoje ela é uma linda mulher, e eu a amo.
ADELAIDE
Oh, Pereirinha!
Pereirinha e Adelaide beijam-se apaixonadamente.
PEREIRINHA
Ai, Adelaide!
CORTA PARA:
INTERIOR – IGREJA - DIA
Adelaide e Pereirinha no altar, igreja cheia, com Cidinha e Neide como Madrinhas e Dona Nair chorando copiosamente.
ADELAIDE (falando para a câmera) Eu não disse que ainda me casaria com um astro de cinema?
NEIDE E CIDINHA (suspirando)FIM
FADE OUT
DIRETOR (OFF)
Corta! A cena ficou ótima, podemos ir para casa, pessoal!
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Cordélia se fechou em sua tristeza, em seu mundo sem cor. Enfiou a cabeça no trabalho, mas ao fim de um mês pediu demissão. Faltava amor ao que fazia.
Seu caminhar, esperançoso e confiante, tornara-se tímido, acanhado, inexpressivo. Procurava não chamar a atenção, mantendo no rosto a máscara mais comum do mundo.
Mas mesmo sem intenção, sem querer, Cordélia chamara a atenção de Luiz Gustavo. A apatia da moça lhe inspirava compaixão e vontade de conhecer a mulher que se escondia sob a capa de melancolia. E, sem saber o que fazer, lhe sorriu. Um sorriso que incomodou Cordélia.
E Luiz Gustavo continuava a sorrir. Na entrada do prédio, lanchonete, supermercado. Na barraca de frutas, posto médico, biblioteca. Cordélia não entendia o motivo dele sempre lhe sorrir, e como ele sorria!
Sabia que o rapaz a intrigava. Sonhava com suas covinhas, seus profundos olhos negros, seu olhar impaciente, à espera. “Esperando o quê?”, a moça se indagava.
Cordélia sentiu seu peito doer. Maltratado e sofrido, Cordélia esquecera de seu pobre coração, que ansiava por voltar a pulsar, bater com vontade.
“Não, isso não é amor. É hora de largar o cigarro”. E marcou um checkup para tranqüilizar o coração iludido. Pela primeira vez na vida queria uma justificativa em um mal físico, não uma comoção adolescente por causa de um sorriso.
Um sorriso. Já se enganara com tantos outros antes, não poderia ser aquele o certo. No máximo o homem por trás daquele riso delicado a julgara fácil, carente. Como todos os outros.
Os exames lhe viram do avesso. Nada.
“Mais saudável do que eu”, brincara um dos médicos.
“Seu coração está muito bom”, disse a voz entrando na sala onde ela aguardava. “Coração de menina. Ainda procurando um grande amor na vida?”.
Colérica, indignada, Cordélia quis o pescoço daquele médico que lhe falava assim, pelas costas, de seus próprios sentimentos e...
E antes de dizer alguma coisa, Cordélia se calou.
“Não se preocupe. Seu coração está em boas mãos”, disse Luiz Gustavo, sorrindo.
Doutor Luiz Gustavo. O misterioso dono do sorriso instigante, o estranho a quem Cordélia entregou seu coração, que sabia como ele pulsava, em qual ritmo, e agora por quem ele batia.
Cordélia corou, respirou fundo. Identificou o sentimento: era amor mesmo. O que poderia fazer? Afinal de contas, quem um dia entenderia mais daquele sofrido coraçãozinho, do que seu cardiologista?
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