quinta-feira, março 20, 2008
CORAÇÃO NO ASFALTO
Quando Sabina se mudou para o prédio colado ao seu, Danilo jogava conversa fora com sua turminha no portão, atrapalhando o acesso à garagem. Sabina falou primeiro com Danilo, que não lembra mais o que respondeu. Só lembra que nunca tinha visto menina mais bonita.

Os amigos com o tempo viraram só colegas, pois Danilo vivia com e para Sabina. Assim como a amizade, crescera entre eles o amor, quando passaram a atender por Bina e Dan Dan.


***
Oito anos, desde o dia em que se conheceram e ficaram amigos, namoraram e a aproximaram suas famílias.

Novo colégio, idades dos hormônios em fúria, vontade de experimentar outros ares, olhares. Danilo reluta em assumir suas novas necessidades; Sabina, por ser mulher ou mais atenta, percebera as mudanças.

Discussões, desentendimentos. Danilo pediu um tempo para respirar e aproveitar o afastamento, curtir novos sabores, odores. Saiu com outras garotas, mas nada sério. Não custou a perceber a falta que Sabina lhe fazia. Os passeios não tinham mais a mesma graça, e os beijos ofertados não tinham o mesmo gosto dos roubados de Sabina.

Arrependido, Danilo pensa em como surpreender a amada e tê-la de volta. Preparou uma mochila com tudo o que precisava, aguardou escurecer, e saiu.

Dia seguinte, e os moradores do prédio 51 da Rua Américo Vespúcio e todos os passantes no quarteirão – que andassem olhando o chão para evitar buracos -, leram a seguinte inscrição:


Da janela de seu apartamento, Danilo apreciava sua criação. Não dormira, esperançoso, coração na garganta pulando apressadinho.

Sete e meia da manhã, e a família em torno da mesa do café, alheios ao que se passa no íntimo do jovem benjamim. Campainha. O coração de Danilo chegou primeiro à porta, batendo descompassado. Sabina!

E era mesmo, radiante em seus dezesseis anos, com o uniforme do colégio, lábio superior mordido, olhos atentos, leve e fresca, cheirando a sabonete.


Danilo compreendeu ali, na porta de seu apartamento, que Sabina seria para sempre a fonte de seus desejos, alegrias e temores, a caixa de Pandora que guardava os segredos da existência.

Mas a primeira frase de Sabina,

“Por favor, me esquece”

fez o coração de Danilo esquecer de bater.

Da forma mais doce, porém impiedosa aos olhos e ouvidos de Danilo, Sabina lhe contou sobre Edgar. O conhecera em uma festa na praia, e a distração inicial para seus pensamentos acabou se tornando o principal tema deles. Fala frisando sempre o ê, fechado, forte, “Êdgar”. Estava apaixonada.

Agradeceu a declaração, embaraçada, envergonhada por não saber o que fazer com os frangalhos de Danilo – não só o coração, estava inteiro em pedaços.

Danilo fechou a porta, sabendo que, a cada segundo, Sabina se afastava de seu apartamento, de seu amor e de sua vida. Inventou um mal-estar súbito para justificar a ausência às aulas, trancou-se no quarto e se enterrou na cama, buscando dormir e não mais acordar.

Mas acordou, sem poder impedir a chegada de um outro dia. Quis amaldiçoar Sabina, Edgar, a si mesmo. Queria que sumissem os dois, queria sumir. Vizinhos, sabia que veria sempre Sabina, e seu galante “Edgar”.

Enquanto vivessem por ali, veria os beijos ao portão, o convidado para os almoços de domingo, com Dona Sara se esmerando em preparar sua comida predileta.

Danilo se imaginou vendo os presentes de casamento chegando, os filhos levados para a escola, as saídas para a praia com cadeiras e guarda-sol a tiracolo.

E com o tempo descobriu que a dor de todos esses devaneios e suas possibilidades de se tornarem reais era suportável. Podiam se concretizar em dois, sete, doze anos.

Insuportável mesmo era a janela, e dela poder ver todo seu passado e o agora impossível futuro, contidos naquela frustrada declaração de amor, a lembrar um tempo feliz, quando Sabina era apenas Bina, e Danilo, seu Dan Dan.

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postado por Aleksandra Pereira às 8:44 PM |


13 Comentários:


At sábado, março 22, 2008 12:08:00 PM, Blogger Pati Fahl 

Como queria em alguns momentos poder voltar no tempo e transformar do "agora impossível futuro", no futuro que tanto quero.
Adorei seu blog. Posso por um link do seu no meu?

At segunda-feira, março 24, 2008 12:57:00 AM, Anonymous Anônimo 

Oi, querida Alek!
Estava devendo uma visita a tempos, heim?
O blog continua lindo e vc como sempre uma "maga" nas palavras.
Um dia aprendo um pouco com vcs. Estou me esforçando, estou tentando!
Adorei o jogo das 12 palavras, deixei algumas nos comentários da Vivi.
Um bjo gostoso e uma ótima semana!
Santinha

At segunda-feira, março 24, 2008 9:15:00 AM, Blogger Aleksandra Pereira 

Olá, Pati, obrigada pela amável visita! Fique a vontade!

grande beijo

At segunda-feira, março 24, 2008 9:17:00 AM, Blogger Aleksandra Pereira 

Oi, Santinha!
Também fiquei muito feliz com as minhas 12 palavras, reclamo que queria postar mais palavras, nós que gostamos tanto delas!

Eu daqui também sigo me esforçando, minha querida, tentativa e erro, tentando encontrar a minha verdade nos meus textos, buscando o que quero dizer, o que acho importante dividir.

Beijo grande prá ti, ótima semana!

At segunda-feira, março 24, 2008 7:55:00 PM, Anonymous Anônimo 

bacana esse conto, curti....
gosto de histórias q lembrem in~^ancia, paixão, nostalgia... saca?

bjão se cuida.....

Leonardo "DARUMA"

At sexta-feira, março 28, 2008 5:40:00 PM, Blogger Vivien Morgato : 

Já pensou quando meu filho passar por isso? acho que sofro junto.

At sexta-feira, março 28, 2008 5:40:00 PM, Blogger Vivien Morgato : 

off topic...essa caixa tá parecendo minha sala:Pati e Santinha por aqui? to muiiito bem acompanhada.
beijos.

At sexta-feira, março 28, 2008 8:14:00 PM, Blogger Aleksandra Pereira 

Leonardo,
te respondi por e-mail, pois não consegui adicionar lá no teu blog, ok?

beijo

At sexta-feira, março 28, 2008 8:18:00 PM, Blogger Aleksandra Pereira 

Vivien, minha linda,
essa estória veio a mim justamente por lembrar um amigo, já falecido, que adorava rabiscar paredes alheias, fazer o quê. Tinha um sorriso lindo. Era namorador, mas quando se apaixonava era perdidamente.

Foi a primeira vez, mesmo já tendo perdido parentes e tudo, que eu como adolescente entendi que um dia iria morrer. A gente percebe que tudo passa, mas como esconder coisas que ficam por aí, nos lembrando do que já foi?

beijo grande, estou muito feliz e me sentindo em excelente companhia!

At segunda-feira, março 31, 2008 10:56:00 AM, Blogger Denis Barbosa Cacique 

Olá, Aleksandra. Como vai?
Meu irmão também é um Danilo, no nome e no comportamento. Aí eu fico dizendo a ele que, mais cedo ou mais tarde, terá o coração partido.
Gostei do seu texto.
Gde abraço,
Denis

At quarta-feira, abril 16, 2008 3:07:00 PM, Blogger Ivan Da Luz 

Obs.:
Com minha volta ao mundo dos blogs, estou visitando à queles que compartilhavam mais de perto este mundo que é o mundo blogueiro!


Http://momentosnossos.zip.net
Http://algumaspalavras-ivan.blogspot.com

At quarta-feira, abril 23, 2008 1:21:00 PM, Blogger Aleksandra Pereira 

Ah, Denis, mais cedo ou mais tarde, mas esse experiência, viveremos...

beijo

At quarta-feira, abril 23, 2008 1:22:00 PM, Blogger Aleksandra Pereira 

Ivan, querido,
quando tempo, bom te ler de volta!

beijo



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