sábado, agosto 26, 2006
EM BOAS MÃOS
Armando, Gonçalves e Peixoto sempre foram conhecidos como o "Trio Sensação". Amigos desde garotos, cresceram juntos no bairro da Aparecida, estudaram na mesma turma, namoraram amigas. Juntos bateram na porta do Seu Agenor, dono da Fábrica de Sorvetes Gelícia, e por anos trabalharam lado a lado.

Mesmo com relacionamento mais estável do que muitos casamentos, brigavam muito, pois eram de temperamentos diversos: Armando era mulherengo, falastrão e convencido. Gonçalves era o medroso e mentiroso. Peixoto, Peixoto era um cara comum, feliz com a vida que levava, com os amigos. Eles eram sua grande conquista na vida, e se orgulhava ao lembrar que foram suas bolinhas de gude que os uniram. E Peixoto era mesmo a cola que unia os três amigos.

E assim, juntos, viveram por muitos anos. Atravessaram décadas, planos, presidentes, copas e Olimpíadas. Casaram, tiveram filhos, netos. Perderam dentes, cabelos, esposas, filhos. Mas sempre se tiveram por perto, para tudo.

Desde a aposentadoria se encontravam na Praça Quinze a jogar 21 e conversa fora, esticar o olho para as ancas das babás. Todos os dias, às 10, religiosamente, até o dia em que o Peixoto não apareceu.

Armando e Gonçalves o aguardaram na pensão em que viviam por horas, e nada. Guardam a soleira da porta, aflitos. Percorrem hospitais e delegacias, quando Peixoto reaparece, tranqüilo, enigmático, sorriso de orelha a orelha como se nada tivesse acontecido.

Os amigos desconfiam; Peixoto, cada dia fica mais alheio.

Escapando, às vezes Peixoto sumia por poucas horas, quase todos os dias. Antes de terminar o mês, ficava sem sua aposentadoria, logo ele, que sempre fora tão econômico.

Armando e Gonçalves estudaram as possibilidades: vício, jogo ou mulher. Drogas eles descartaram. Jogar ele jogava sim, até apostava – de forma comedida, é claro. Tinha que ser mulher.

E era.
Rose, loirona Wellaton, queimada de sol, pernas roliças e firmes, unhas bem feitas. Uniforme branco justinho, sensual, atendente em casa de massagem - para a mãe, era enfermeira.

Derrubou o queixo de Armando e Gonçalves. Por inveja, por despeito. Não, não. Por preocupação. Uma mulher daquelas só poderia querer depenar o pobre Peixoto, logo ele, que emprestava para quem precisasse, sempre solícito, sempre amigo. Pobre Peixoto.

Tentaram lhe abrir os olhos. “Deixem disso”, ele respondia com um muxoxo que escondia o orgulho. Rose era dele, o que nem os amigos nem ninguém entenderia. Dele, José Álvaro Peixoto, 69 anos, aposentado de uma fábrica de sorvetes. Dele.

Que os amigos não se preocupassem, que Rose era moça direita. Todo dia ela só lhe pedia um dinheiro para uma coisa boba, para uma fezinha no bicho (Sonhava sempre com uma enorme borboleta, tinha certeza que daria). Prometeu que, assim que ganhasse o prêmio, largaria a vida na casa de massagem para viver com Peixoto, como mulher dele, senhora de seu castelo, casa amarela, dois cachorros, um pequeno salão de cabeleireiro e um altar para São Jorge.

Mais de 60 anos de amizade, que sobrevivia à quase tudo. Peixoto desejara novamente provar do fruto proibido, e a serpente se achegou entre eles em forma de mulher. E que mulher!

Não acreditando, Armando e Gonçalves resolveram pagar para ver, e pagaram mesmo: cercaram Rose de mimos, presentes, pequenos agrados em dinheiro. Rose a tudo recebe, timidamente agradecida, mas não conquistada. Reafirma sue amor por Peixoto, e a real vontade de viver com ele.

Eles insistem. Peixoto vai se mostrando cada vez mais calado e desconfiado em casa, com os amigos. Acreditam que tudo vai bem com o plano. Intimamente, tanto Armando quanto Gonçalves se sentiam merecedores de uma noite ao lado daquela Pâmela Anderson do subúrbio. Logo, logo, Peixoto cairia em si e descobriria a besteira que iria fazer.


Rose um dia, do nada, desapareceu. Largara o emprego na casa de massagem, não retocava mais as raízes no salão da Rua Setúbal, não descia mais a Duarte Amaral requebrando e torcendo pescoços. Sumira. Gonçalves reparara no resultado do bicho: borboleta.

Armando e Gonçalves esperam Peixoto comentar o fato, chorar e espernear nos ombros amigos, esbravejando que mulheres são todas iguais, que só mudam de endereço e não deixam o nome da rua. Nada. Com o tempo, Peixoto voltara à normalidade, aos jogos de 21 na praça, ao flerte com as babás – principalmente as loiras de farmácia.

Só a amizade que já não parecia bem a mesma. Peixoto já não ria mais das piadas sem graça de Armando, e nem repetia o prato de macarrão insosso que Gonçalves preparava. Olhava às vezes para o nada, pensativo, distante, à procura. Estava já perdido para eles.

Até o dia em que Peixoto se perdeu de vez. Armando e Gonçalves nunca mais tiveram notícias dele. Imaginavam o amigo entregue à própria sorte, vagando pelas ruas, chorando seu amor malogrado. E ninguém nem nenhuma babá mexeria tanto com eles quanto a bela massagista. Uma pena.

Rose foi vista em uma casinha amarela em uma cidadezinha lá longe, cuidada por dois cachorros que ficavam presos enquanto seu salão funcionava. No meio fio, brincavam suas duas crianças, Dorival, o filho de Peixoto, e o próprio, exibindo sua coleção de bolinhas de gude. Estava no Paraíso.

Se sentia mais moço, capaz de qualquer coisa ou tudo de novo. Dali duas semanas Peixoto faria algo ainda inédito em sua vida: uma tatuagem. Borboleta. A primeira.

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postado por Aleksandra Pereira às 2:41 PM | 4 comentário(s)
segunda-feira, agosto 14, 2006
GUERRA & PAZ - Mentiras sinceras me interessam

- Maurício! Ô Maurício, pára de assobiar e responde logo: pagou ou não a conta da TV a cabo?
- Conta?
- A que te pedi pra acertar anteontem, na volta da academia.
- Ah... Não.
- Então pague amanhã, senão vão cortar.
- Não vai dar não.
- E por que não? Maurício, o que você fez com o dinheiro?
- Nada. Comprei um gibi. Um só.
- E o troco?
- Sem troco. Pô, amore, era uma raridade, edição de aniversário, prá colecionador. Saiu até barato!
- Ai, que eu vou ter um troço!
- Calma, Fabiana, prá quê tanta frescura por causa de...
- Frescura?


Aaaaaaaaahhhhhhhh!

Vai dizer que seu marido nunca aprontou uma dessas?

Cuidar do marido às vezes é como cuidar de um filho, preparando sua comida, correndo atrás para catar as tralhas espalhadas pela casa... Alguém por favor, me explique: prá quê tanto gibi de heróis multicoloridos e mocinhas com colant apertado?

E de nada adianta eu tentar reclamar: Maurício sempre aumenta o rádio e assobia toda vez que tento pedir alguma coisa, mesmo a mais simples (imagina se fosse para discutir a relação!). Não agüento mais ter de brigar por bobeiras como baixar a tampa do vaso sanitário, tirar a toalha molhada do chão ou não beber direto da garrafa. E ainda tenho que entender que ele, quando quer refletir, precisa fazer isso com a porta da geladeira aberta!

Sinceramente, mulher que se desdobra nessa jornada dupla de lavar, passar, arrumar e ainda ter que engolir sapo de chefe deveria ganhar o Nobel da Paz. Da Paz, não, da Paciência.

Cuidar de casa + marido + emprego não é nada fácil, ainda mais hoje onde a principal exigência para a mulher moderna é a de ser multitarefa: cuidar dos afazeres domésticos, trabalhar fora, bajular a sogra, fazer compras, almoço, jantar, cabeleileiro quando sobra tempo, além de estar sempre fresca e perfumada. A mulher-esposa-amante-empregada 24 horas em ação.

Mas afinal, e para os homens, o que é ser multitarefa? Assistir ao futebol com uma mão segurando a cerveja e a outra minha coxa? Ter que decidir qual deixar livre para pegar o controle remoto para zapear na TV a cobertura dos melhores momentos da partida?

Onde foram parar a cordialidade, a atenção e gentileza dos primeiros tempos de casamento? E o romantismo?

Desde quando ficou chato ser romântico?

E olha que eu nem sou uma mulher tão exigente assim, eu só queria um homem que me amasse, mesmo com todos os meus defeitos, TODOS eles - incluindo o cabelo matinal desgrenhado, o pneuzinho aconchegante na cintura, e a vontade de almoçar pizza de vez em quando e, se possível, que fosse a cara do Colin Firth.

Mas o Maurício não se parece com o Colin Firth. Talvez de longe, no escuro, visto por esta mulher míope e... apaixonada. O Maurício sempre esquece nossas datas importantes, flerta com minhas amigas, espalha copos sujos pela casa... Mas esfrega meus pés quando reclamo frio, encaixa o corpo no meu prá me ninar quando tenho pesadelo (o último foi com uma visita surpresa da mamãe. A dele). E quando diz “eu te amo”? Faz parecer mentira todas as vezes que ouvi essa frase de outros homens. É raro ouvir dele, mas quando acontece, ele sempre me ganha. Me sinto única, desejada, feliz e...

- Fabí...

... caindo das nuvens.

- O que é, Maurício?
- Cê viu minha camiseta cinza, aquela que uso sempre?
- No cesto de roupa suja.
- Poxa, amore, eu tenho jogo hoje com os caras, e você nem lavou?
- Avisei que a vez de lavar roupa era sua.
- Não, eu lavei da última vez.
- Sua “última vez” foi mês passado, Maurício.
- Ah, Fabizinha, dá uma lavadinha nela enquanto eu tomo banho...
- Não dá.
- Por favor...
- Não.
- Tá.... tá certo, amorzinho. Não quero interromper sua leitura, você deve estar cansada, trabalhando tanto...
- Trabalho mesmo.
- Vai dar uma voltinha com suas amigas, se distrair.
- Eu vou.
- Você merece. Uma mulher e tanto. E é minha. Dá beijo. Te amo.
- Falso. Não vou cair nessa sua conversa mole não. Vai lá tomar seu banho.

Sem vergonha. Sabe dizer as palavras certas e do jeitinho certo, não posso negar. Cachorro. Não é o Colin Firth, mas é o homem que eu amo. Fazer o quê?

Só tomara que essa camisa seque logo.


- Ô, Fabizinha, minha paixão, você lavou e secou a camiseta, minha rainha? Minha gostosa, dá beijinho, obrigado!
- Não foi nada, querido...
- E ainda passou... Peraí, ô Fabiana, não acredito! Cê marcou a minha camiseta predileta com o ferro, quase que fez um rombo! Volta aqui! Volta aqui, Fabi! Por que que você tá assobiando? Fabiana, volta aqui, que agora eu quero discutir a relação! Fabiana!

ilustração de
Michael Sowa

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postado por Aleksandra Pereira às 2:05 PM | 5 comentário(s)
terça-feira, agosto 08, 2006
Queridíssimos,
sei que devia uma explicação pelo sumiço anunciado e visível, mas alguns problemas de saúde me tiraram do ar por uns tempos.

Quero dividir com quem pude o que eu passei, para que possa servir de alerta, pois a situação foi séria, e o risco, grande.

Desde o final do ano passado, iniciei tratamento para controle de Hipertensão Arterial. Os históricos familiares me indicavam que eu deveria tomar cuidado: pai e mãe hipertensos. Mas como a minha pressão sempre caía, me sentia excluída da estatística. Até o dia que entrei nela, e desde então não passo um dia sem a medicação. Posso controlar a pressão, mas o tratamento é para o resto da vida.

Afirmo com certeza que hoje vivo tudo isso por total culpa minha. Alimentação errada, abuso de sal, falta de exercícios, estresse. Se eu não tivesse nada é que seria um caso ímpar.

Estava indo não muito bem: me sentia sempre cansada, as crises de dores de cabeça aumentando, tinha taquicardia de madrugada, e medo, muito medo. Não de morrer, mas por saber que passava por tudo aquilo devido as escolhas erradas.

Nos últimos dias, tive que correr com a minha família de madrugada super mal, achando que estava enfartando; Sentia uma dor horrível no peito, que se estendia ao braço esquerdo. Me desesperei. Juro que achei que era a hora. Fiz um monte de exames, tomei diversos remédios em comprimidos e injeções, furaram meus dois braços colhendo sangue, me reviraram, minha pressão foi no céu (18x11) e vomitei a alma. Estava por demais nervosa.

Graças a Deus, nada. A dor, foi muscular. Todo o resto, nervoso excessivo.
Mas os exames (eletrocardiogramas) mostraram que minha freqüência cardíaca estava muito baixa e a culpa era do remédio que tomava e vinha sobrecarregando o coitado do coração. Meu coração estava batendo mais ou menos com 33 batidas por minuto (Isso quando estava nervosa, sendo que a média normal, em repouso, fica entre 60, 70 batidas por minuto). Troquei de remédio, e estou mesmo melhor.

De uns tempos para cá mudei minha alimentação, e não como mais carne de nenhum tipo. A mudança tinha sido inicialmente por princípios, por não concordar com o tratamento reservado aos animais abatidos. Mas foi uma das melhores resoluções que tomei na vida. Só de não ingerir carne diminuí drasticamente a quantidade de gordura e sal que ingeria. Me obriguei a aprender a comer melhor, pois agora ou aprenderia, ou passaria fome.

Passei a consumir mais proteína de soja, e aprendi a fazer uma carne de soja que é uma delícia! ;-)
Procuro tomar água direto, o que me ajuda a diminuir a pressão numa crise, ir ao banheiro é fundamental.

E o mais importante: cortar o sal, grande vilão. Passei a experimentar outras alternativas de tempero, quando não dá uso o sal light, ou como sem sal mesmo. Sabe o que é legal? Voltar a sentir o verdadeiro sabor dos alimentos. Sal deixa tudo com gosto... de sal!

Não sinto falta de carne como achei que sentiria. E aumentei meus conhecimentos culinários, sempre buscando alternativas de tornar a comida mais saborosa e saudável.

Uma coisa também importante: precisamos aprender a ler rótulos e embalagens. Muitas vezes consumimos mais sal do que precisamos, sem perceber, embutidos em alimentos prontos, temperos de caixinha. Se acostumem a ler, estimulem seus filhos, amigos e parentes. Chequem a porcentagem que se refere a quantidade necessária de sódio por dia que o alimento cobre. Existem itens que, ele sozinho, tem mais sal do que o recomendado para um dia inteiro.

Estou bem, e muito bem, para dizer a verdade. A demora com as postagens não se dá mais por estar doente, mas por estar correndo atrás do prejuízo, de minha saúde, de mim. Ter passado isso tudo abre os olhos da gente. Os meus abriram.

Beijos, já já com um texto novinho, novinho.
Obrigada pela força.

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postado por Aleksandra Pereira às 10:37 AM | 2 comentário(s)

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