quarta-feira, janeiro 30, 2008
Acho que assisto a filmes demais...
 
postado por Aleksandra Pereira às 9:51 PM | 2 comentário(s)
sexta-feira, janeiro 25, 2008
"Andar com fé eu vou"


Otacílio dizia-se “sem sorte”. Sim, sem sorte, pois todos sabem que dizer-se azarado, dá azar.

Não passava debaixo de escada, corria de gato preto, não mantinha espelhos com medo de quebrá-los e ganhar, assim, sete anos de... você sabe.
Evitava o número 13, levantar com pé esquerdo e praga de mãe, mesmo quando vem da dos outros.

Usava, espalhados pelo corpo, figa, patuá, medalhinha do Anjo da Guarda, retratinho de Nossa Senhora, fitinha do Senhor do Bonfim, trevo de quatro folhas, cabelinho de criança batizada no dia de Natal, ramo de arruda e pé de coelho. Esse último, desistiu de carregar. Se desse mesmo certo, teria salvo o pobre do coelho que guardava quatro.

Nada adiantava, a maré não virava ao seu favor. Perdera o emprego e, junto com o fim do dinheiro, a esposa e os dois filhos. Ameaçava ser preso por não ter como pagar a pensão alimentícia e nem a pensão da Dona Cota, onde vive e mal paga com os bicos que faz.

Os amigos e parentes se afastaram. Quem queria ao lado um imã ambulante de má sorte?

Quando Otacílio conseguia agendar uma entrevista de emprego, acordava atrasado, tinha o salto do sapato quebrado e o ônibus rebocado. Conseguia convencer uma garota a um encontro? A calça rasgava e a única camisa em bom estado ganhava um banho de espaguete.

Otacílio bem que se esforçava, coitado. Ano Novo era o primeiro a pular as 7 ondas, pedindo focas aos santos e orixás, sem distinção. Toda ajuda é bem-vinda para quem está na mão. Corria para casa, subindo a escada comendo uva e romã, tomando cuidado para não derrubar o vinho tinto com 3 grãos de arroz na camisa branca nova, comprada em prestações.

E tudo continuava na mesma, até a virada do último ano. Chateado, resolveu jogar fora todos os seus amuletos. Sentiu-se bem, com pelo menos 2 quilos mais leve. De camiseta vermelha desbotada, bermudão e chinelo de dedo, acompanhou os fogos pela TV, para espanto dos outros moradores.

E seguiu assim a vida. Meses depois o encontrei num shopping center, fazendo compras ao lado de uma bela morena. Admirado com a mudança, quis saber das boas novas, que não eram só boas, eram ótimas: Otacílio recebera de herança uma gorda quantia, deixada por uma tia avó que vivia distante, chegada a sua falecida mãe. No aeroporto, indo para a pequena cidade de sua afastada parenta, reencontrou Irene, namorada dos tempos de colégio, recém-divorciada e bem de vida.

Um amor antigo, uma herança ligada ao passado. O atual racional Otacílio não acredita mais em amuletos e superstições, preferindo levar a vida de uma forma mais tranqüila. Mas toda virada de ano passa de bermudão, chinelo de dedo e a velha e desbotada camiseta vermelha. Só por garantia.



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postado por Aleksandra Pereira às 10:53 AM | 5 comentário(s)
terça-feira, janeiro 15, 2008
MINHA VIDA É A SUA NOVELA
O elevador era panorâmico mas ela não conseguia apreciar a vista, o que restava do sol a lamber os edifícios – por falta de vontade, talvez, ou pelas lágrimas que encharcavam as carnudas bochechas e desenhavam veios coloridos na maquiagem que se desfazia.

Ela ainda sentia no dedo o calor da aliança recém-arrancada, última evidência dos sonhos desfeitos, daquele amor de telenovela.

Mas apesar dos clichês,
sua vida não era uma obra de ficção.

...

- Pois não, o senhor já pediu?
- Não, cara, ainda tô pensando. Escuta, aquele prato ali da outra mesa parece gostoso. (...) Moça? Com licença?

- Oi?!?
- Desculpa, mas que prato é esse que pediu? Parece bom.
- E é: strogonoff de frango, batatas com gergelim e arroz com ervas.
- Escolhido: será esse. Um igual, por favor.

- Pois não.

- Você quer experimentar?
- Posso?
- Tudo bem.

- Com licença... Humm, hummm. Muito bom. Obrigada.

- De nada.(...) Posso te perguntar uma coisa?

- Claro, somos íntimos agora, até comi do seu prato!
- (...) É o seu rosto. Você não me é estranho.
- Prazer, Lucas. Lucas Santa Helena.
- O Doutor Alberto da novela das 7, mas é claro!
- Entre outras coisas. Só que eu ainda não descobri o mais importante.
- O quê?
- O seu nome.

- Que cabeça a minha!!! Ana.

- Então, Ana, você gosta de Strogonoff, de jantar sozinha, e quando sorri ganha duas charmosas covinhas? Acho que isso já é suficiente pra mim.

- Suficiente pra quê?

- Pra que eu aceite seu pedido e me case com você.

- Você vai se casar comigo?
- Vou, já disse que aceito o seu pedido! Olha elas aí, são dessas covinhas que eu tô falando!

...

Tudo parecia tão perfeito. Lucas era o homem dos sonhos de Ana: inteligente, charmoso, engraçado. Mas Ana dera o azar de ser uma moça simples, de gosto simples, no meio do processo da criação de um mito.

O namoro em segredo não durou muito - o assessor de Lucas se encarregou de logo dividir a novidade. E toda a exposição que trazia o sucesso do amado lhe incomodava mais a cada dia: um simples passo seu até a rua garantia fotos de primeira página sobre qualquer coisa que estivesse fazendo – cortando os cabelos, pondo o lixo na rua, jantando com amigas.

Suas amigas, elas também mudaram. Antes eram poucas – raras, essa é a verdade; agora amigas de infância perdidas no tempo reencontram seus passos, seu endereço, seu perfil no Orkut. Retomam conversas esquecidas e adiadas com o frescor de algo deixado no ar, ali, agorinha, e que a distância e o isolamento não apagariam por nada.

De todos Ana sentia poder só contar com a amiga Raquel. Estudavam na mesma universidade, cresceram vizinhas de porta, as mães trabalhavam juntas. Raquel lhe ouvia, aconselhava, mas ainda assim o desconforto de Ana não diminuía.

As coisas realmente se complicaram quando começaram a pipocar notas dos encontros entre Ana e Lucas com fotos e detalhes íntimos, coisas que só eles saberiam. Ela sabe que não foi, Lucas jura também não; dali um tempo de novo, mesma coisa, mas como?

O namoro estremece um pouco com o crescendo da desconfiança, mas Ana sabe que ser namorada de celebridade não lhe virara a cabeça. Ao menos, a sua não: a mãe dava entrevistas na televisão, expondo suas fotos de infância; seu irmão descobrira recentemente um bem oculto talento artístico, e já confirmara inscrição para o próximo BBB e já abusava do manjadíssimo “você sabe com quem você tá falando?”.

Ela tentava levar sua vida como sempre levara, fazendo as mesmas coisas, seguindo os mesmo caminhos. Ainda insistia em fazer o trajeto trabalho-casa de ônibus, mesmo quando Lucas lhe disponibilizava seu carro e motorista – luxo pequeno, como ele gostava de dizer.

Seu pensamento discorria entre tantas novas informações que custou perceber o insistente olhar de duas senhoras nos bancos em frente ao seu:

- Ana, querida, tudo bem? Vem cá, me mata uma curiosidade: como é namorar o Doutor Alberto?
- Na verdade, eu namoro o ator que o faz.

- E não é a mesma coisa?
- Não, não é não.

- Deixa ela falar, Dirce!! Conta pra gente: o Doutor Alberto beija bem?

- Com licença, eu preciso descer, me desculpem, com licença, com licença.
- Toda.

- Tchau.

(...)
- Ela parece mais magra pela TV.

- Menina, também achei. (...) Orgulhosa, né?



Ana salta do ônibus, desorientada. Sua anteriormente pacífica vida de pernas para o ar, tudo por causa de um jantar dividido, um sorriso cercado de covinhas e um sim a uma pergunta que nem fora realmente feita, mas que urgia resposta.

Sem saber o que fazer, sem conseguir pensar, Ana liga para Raquel, derramando palavras e frases sem sentido. Raquel pede que se acalme, que fosse até ela, veriam juntas o que seria possível ser feito. Chegando ao trabalho de Raquel, Ana descobriu que mesmo sua melhor amiga não poderia lhe trazer conforto: esta lhe mostra a última edição de uma revista de fofocas recheada com fotos íntimas dela com Lucas. Foi o cúmulo do absurdo, a gota d’água. Ana não acredita que Lucas possa ter feito aquilo, logo agora que havia lhe pedido em casamento e seu anel... seu anel era tão lindo.

Ana larga o anel na mesa de Raquel e sai, desbaratada.

...

Ana saíra tão confusa que nem percebera a chegada de Lucas, revista amassada na mão, fincando o pé a cada passo.

Ele a vê saindo e, mesmo sem lhe falar, tem a certeza da traição da namorada.

...

Lucas fora até a redação da revista a pedido de Raquel. Ela sabia que era a possibilidade de Lucas pegar Ana ali, um flagrante, entregando fotos para a amiga jornalista. Não foi assim que aconteceu, mas assim que Lucas viu. Ele precisava ver o anel para confirmar a traição de Ana, e necessitaria de consolo e um ombro amigo.

E foi consolado por Raquel, que lhe mostrou várias fotos - tirada por ela mesma -, seguindo o casal. Lhe mostrou o anel. "Eu não queria te contar assim, mas foi a própria Ana quem planejou tudo", dizia, solícita ao amparar Lucas em sua dor.

Lucas sem saber mais em quem acreditar, aceita a versão de tão disposta amiga.
Raquel ganha Lucas e notoriedade. Programou o casamento para um mês antes da sua estréia como apresentadora e alguns meses depois da sua primeira capa oficial de revista, onde revelaria os "atributos que enlouqueceram o ator Lucas Santa Helena".


Ana não assiste mais televisão.


A dor da gente não sai no jornal
Chico Buarque (“Notícia de Jornal”)




"Hoje parece que as pessoas querem saber mais sobre quem (um famoso) namorou, casou ou divorciou do que das coisas que acontecem no mundo. É ridículo. Você sabe por que isso acontece? Porque as pessoas têm medo de olhar para dentro delas mesmas. Preferem viver a vida das outras pessoas. Elas não estão despertas para o mundo, para as suas vidas. São como zumbis"
Gisele Bündchen,
em entrevista ao jornal Folha de São Paulo.

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postado por Aleksandra Pereira às 12:23 PM | 3 comentário(s)

Quarenta anos se passaram entre ontem e hoje. Há quatro décadas que não via este rosto, mas parece que foi ontem que tomamos nossa última xícara de chá juntos, na saudosa, elegante e glamourosa Barão de Itapetininga.

Ela me olha com carinho enquanto escolhe uma mesa no canto do restaurante, o seu predileto. Seus olhos estão ligeiramente cansados mas ainda de um azul profundo, onde me perdia nas nossas infindáveis noites de amor.

Era também recém-chegada na cidade, como eu, que vinha do interior. Ela imigrara da Europa em busca da paz e do trabalho que já não mais encontrava em sua terra. Vindos de extremos, fomos nos encontrar na cidade-coração do país, cheios de desejos e esperanças, de vontade e temeridade. E São Paulo nos acolheu, de braços e peito abertos.

Nos conhecemos enquanto caminhávamos pelo Viaduto do Chá, onde caminhamos agora. Paramos no mesmo local de nosso primeiro beijo, em frente ao Edifício Conde Prates, quando fitei profundamente seus olhos, e me apaixonei.

Silencioso, ouvia seus passos. Mesmo depois de tanto tempo, nem que tentasse confundiria os sons de seus passos com os de outros. Estavam marcados para sempre em meu coração.

Ela sorri. Hoje, seu português perfeito, nem de longe lembra o forte sotaque alemão que me pedia para traduzir as palavras de Neruda na apresentação no Pacaembú: "Ya no la quiero, es cierto, pero talvez la quiero"*. Me lembro bem que sorria. Sorria muito.

Mas por que nos separamos? Por cenas sem motivo, ou por qualquer motivo. Nervos. O que hoje seria comumente chamado de stress foi a causa de nossa separação, em plena Avenida Paulista. Um adeus, sem maior explicação.

Hoje vejo o arrependimento em seus olhos, após tantos anos de escolhas, após anos daquela escolha. Mas agora quem dá as costas a seu olhar de esperança em um recomeço, à uma reescritura de nossa história, sem remorsos ou dúvidas sou eu, voltando para aquela que acompanhou toda nossa história de amor, mas que nunca, em nenhum momento, me abandonou: minha querida São Paulo, que me acolheu e me amou.


* "Poema No. 20" de Pablo Neruda
FOTO: Raul Touzon

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Lembro que escrevi esse texto para um concurso do Estadão para o aniversário de São Paulo. Nunca mandei. Estava em uma fase onde deixava espaço demais para as pessoas me atingirem, suas ofensas me atingirem. Pessoas que nunca provaram serem boas profissionais, e com o tempo também mostraram não serem boas pessoas. O tempo conserta as coisas, e muitas máscaras caem. Por outro lado, aprendi a dar o real valor para aquelas que realmente importam. E vamos em frente!

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postado por Aleksandra Pereira às 5:57 PM | 1 comentário(s)

LÁGRIMAS LAVADAS© 2006, por Aleksandra Pereira. All rights reserved.