segunda-feira, outubro 30, 2006

Aprecie aquilo que você tem

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postado por Aleksandra Pereira às 8:18 PM | 2 comentário(s)
sábado, outubro 28, 2006
LÁGRIMAS LAVADAS VISITA E RECOMENDA # 4

Conheçam o projeto NA SELVA, um concentrador de sites sobre literatura e arte. Um trecho do release:

"O SELVA surgiu do apagamento das fronteiras, da multiplicidade dos meios, da urgência da arte, da pulsação da literatura, da inabilidade de estancar o que é: a Selva conjuga o verbo ESTAR. Queremos divulgar nossa produção e dar espaço a novas vozes, englobando não só os suportes midiáticos comuns, mas mostrando que as novas formas de arte já dialogam entre si em harmonia, seja na literatura, no graffiti, teatro ou em revistas digitais.

Colecionamos micro-universos, formando um organismo vivo através de blogs pessoais, grupais ou focados em algum assunto específico, portfolios digitais, fóruns de discussão ou websites."


Eu destaco o

CLAREIRA, com críticas literárias, entrevistas e posts interessantes que explicam as definições de conto, novela e romance.

e o

CIVILIZADOS, espaço literário colaborativo, que recebe textos (se forem bons) de seus leitores para publicação no site.

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postado por Aleksandra Pereira às 12:44 PM | 0 comentário(s)
sexta-feira, outubro 27, 2006
O BILHETE
Dora cantava enquanto cozinhava o feijão na panela de pressão. Naquela semana tentava novamente a sorte na loteria, apostando agora nos números que mais gostava: 7, de filhos que sua mãe teve; 12, a idade do primeiro beijo; 16, o dia em que nasceu; 25, o número da casa dos pais; 33, a idade de Jesus; e 46, ano em que o pai nasceu. Tem a certeza e a fé em Nossa Senhora do Carmo de que os seus números serão sorteados, então ficará rica e realizará seu grande sonho: casar.

Está quase na hora do sorteio, e Dora não cabe em si de ansiedade. O rádio ligado na cozinha desde cedo para não perder nenhum detalhe, com o volume baixinho para não incomodar os patrões. Imagina como seria sua vida e de sua família com o dinheiro do prêmio, enquanto transforma uma calça de seu Afrânio em bermuda para Paulo, o filho gatinho da família Toledo de Albuquerque.

O locutor anuncia e ela, tremendo, confere. Bingo! Ela é a ganhadora. E ganhou sozinha!

Dora começa a gritar e atrai a atenção de Dona Lúcia, Seu Afrânio e Paulo que, completamente pendurados com dívidas e vivendo somente de pose e vento, pensam na melhor forma de se aproveitar da situação: casar Paulo com Dora e passar a mão na grana.

A notícia se espalha rapidamente por todas as empregadas e patroas do condomínio. Pedidos de empréstimo, gastos e lembrancinhas começam a surgir, além da súbita e evidente inveja pela probabilidade do matrimônio.

Dora pensa na possibilidade de casamento com o filho dos patrões, mas não esquece de sua antiga atração por Aguinaldo, o prestativo bicheiro, charmoso e canastrão, que a abraça firme enquanto dançam no salão ao som do forró.

Antes de Aguinaldo, Dora fora apaixonada por Emiliano. De tanto esperar o namorado se pronunciar, pedi-la em casamento e formarem uma família feliz, se inscreveu em um programa de auditório, sem que Emiliano soubesse o motivo da ida dos dois ao estúdio. Um robusto apresentador o encosta na parede e o torna vergonha em cadeia nacional por enrolar moça honesta, prometer mundos e fundos, se aproveitar da garota e não assumir o compromisso. Diante da derradeira pergunta, Emiliano diz aceitar sim se casar com Dora, mas assim que sai do estúdio, a abandona. Dora volta para casa chorando, de carona no caminhão baú com os móveis e eletrodomésticos doados em nome do programa, para um casamento que não iria ocorrer.

Dona Lúcia, peruíssima assumida e endividada, se afunda ainda mais nos cartões de crédito, procurando tornar a futura nora mais apresentável para a sua roda de amigas emergentes. Hoje em dia é “out” ser pertencente às famílias quatrocentonas, herdeiras por décadas de uma fortuna que começou sabe-se lá como. O “in” atualmente é ganhar prêmios instantâneos, enriquecer com raspadinhas, jogo do bicho. Atualizem-se, amigas. Novos ricos ganham programas de televisão, espaços nas colunas sociais, festas badaladas, tudo sem esforço. Isso sim é vida boa.

Paulo se mostra cada dia mais carinhoso com Dora. Antes a esnobava, era verdade, mas com a intenção de esconder seus verdadeiros sentimentos. Achava que nunca uma mulher como ela iria olhar para alguém como ele, que mesmo forte e sarado, não era reconhecido como exemplo de generosidade e inteligência. Boba Dora não era, mas fingiu que acreditou.

Dora fica conhecida por todos e passa a receber os melhores tratamentos. Seus pais viram visitas importantes na casa dos antigos patrões, agora sua futura família. Nada mais de lavar, passar, cozinhar. Aprendeu a se vestir, a comer à mesa com todos, tudo ao mesmo tempo agora, e olha que ela ainda nem reclamou o prêmio.

O prêmio. Estava na hora de ir buscá-lo. O futuro marido se oferece para ir junto, garantir sua segurança (do dinheiro, é claro). O patrão oferta o carro, e ele como motorista, por comodidade e praticidade. Dona Lúcia se dispõe a acompanhá-la ao banco, para orientar sobre as melhores aplicações e rendimentos.

Dora não consegue nem mais respirar sozinha. Não lhe deixam para nada, vive sob vigilância, cobranças, pedidos. Sente falta de sua antiga vida, de seu trabalho, das noites no forró, de Aguinaldo.

Aguinaldo. O único que não a cobrou, apertou, pediu. A camisa aberta três botões, a corrente fina de ouro, o braço apertando sua cintura como lata de cerveja.

Na calada da noite Dora escapa, procurando sua antiga liberdade, sua paz, o cheiro do sabonete de Aguinaldo. Leva consigo os presentes, sapatos, roupas, jóias, deixando somente o bilhete. Quem o achasse, poderia fazer o que bem entendesse.

Os Toledo de Albuquerque não tiveram tempo de praguejar a fuga de Dora, ao se depararem com o desejado pedaço de papel. Voando, apresentaram-se como os felizes ganhadores do prêmio acumulado e cobiçadíssimo. Àquela altura, Dora e Aguinaldo já estavam longe, e não puderam ver a cara de decepção e raiva dos patrões ao descobrirem que um dos números não batia.

O primeiro beijo de Dora fora aos 11, não aos 12. Uma pequena confusão.

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postado por Aleksandra Pereira às 10:26 AM | 4 comentário(s)
quinta-feira, outubro 26, 2006
POÉTICA

De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.


A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O oeste é meu norte.


Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem


Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
- Meu tempo é quando.


Vinícius de Moraes nasceu no dia 19 de Outubro de 1913 no Rio de Janeiro, Brasil. Após a conclusão do curso de Direito, estreou-se com o livro "O Caminho para a Distância" em 1933. Com "Forma e Exegese", dois anos depois do primeiro livro, conquistou o Prémio Felipe de Oliveira. Em 1936 foi nomeado representante do MEC na Censura Cinematográfica, dormindo nas sessões e não censurando nada. Amigo de Manuel Bandeira e Drummond de Andrade, iniciou actividade de jornalista em 1941 no A Manhã e no Suplemento Literário. Em 1943 ingressou na carreira diplomática, vindo a servir nos EUA, na França e no Uruguai. Já na segunda metade da década de 1950, conheceu Antônio Carlos Jobim e João Gilberto, com os quais renovou a música popular brasileira através da Bossa Nova. Em 1959 ganhou a Palma de Ouro do Festival de Cannes e o Oscar de Hollywood com o filme Orfeu Negro, baseado na sua peça Orfeu da Conceição, como o melhor filme estrangeiro do ano. Passou a maior parte da sua vida participando artisticamente em shows, cinema, teatro, afirmando-se como o centro boémio de uma atitude de liberalização dos costumes. Morreu em 1980, na sua cidade natal, aos 67 anos. (in Vinícius de Moraes, Poesia, Agir, 1983)

[post inspirado após leitura no blog Insônia, de Henrique Fialho. Recomendo.]

Saudades. Como Stanislaw Ponte Preta um dia disse,
Vinícius não era um, era muitos:
"se fosse um só, seria Vinicio de Moral".

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postado por Aleksandra Pereira às 1:00 PM | 1 comentário(s)
quarta-feira, outubro 25, 2006
COLEÇÃO
Prazer. Me chamo Miranda, sou colecionadora. Mas não reúno coisas comuns como selos, carrinhos, botões, pedras. Coleciono momentos, instantâneos. Não, não confunda com fotografia. Os instantes que coleciono estão vivos, ou já tiveram vida por algum tempo. Podem ser esquecidos pelos que os viveram, pelos que somente observaram. Eu tento apreender todos os passos, gestos, palavras.


Como quando, da minha janela, flagrei um casal de amigos brigando enquanto atravessavam a rua. Não entendi muito bem o que disseram, mas a moça gritava “me deixa!” e empurrava o rapaz, que continuou a segui-la. Era tarde da noite, ela olhou para os lados como que com vergonha que alguém os observasse.

Os revi enquanto seguíamos todos no ônibus metropolitano. Se pegavam, se batiam, falavam besteiras. Ele dizia que o cabelo dela era ruim, brigavam, faziam birra. Até aquele instante em que a amizade cruzou a fronteira e esbarrou em novas possibilidades, aquele instante em que seus olhos realmente se encontraram. Talvez ali, naquele momento, ele tenha conhecido o que Machado chamou “olhos de ressaca”, e seguiu arrastado, entregue ao fluxo das ondas de sua punk Capitu. E o olhar derivou em um beijo tímido, mas revelador.

Hoje cedo testemunhei um pai agachado para amarrar o tênis da filha que corria para a escola, e esse mesmo pai parado na esquina, depois de deixá-la, para conferir se ficaria bem.

Um rapaz num restaurante olhava o movimento da rua, sozinho, alisando o bigode. Parecia preocupado. Talvez um encontro marcado com sua namorada, para o qual ensaiara um pedido de desculpas, até de perdão, mas nada da moça aparecer. Talvez já estivesse em outra, ou com medo de tentar de novo. Saindo do restaurante um senhor bem magro com sua bengala antiga, carregando uma sacola com o que sobrou de sua refeição. Ele pára para esperar uma senhora, a sua, que se aproxima devagar, com cuidado. Ela combinou os tons da blusa e do casaco com a calça, jovial. Ria divertida, como se lembrasse de uma piada antiga que lhe contaram há tempos, mas que ainda funcionava.

Ao ver minha afilhada acordar de uma soneca, se espreguiçando, quis saber o que ela sonhou. Em sua pureza infantil, me contou histórias de Porquinhos e Caçadores, Príncipes e enormes cavalos, ecos de contos centenários em uma mente ainda não poluída pela televisão.

Acumulo histórias, instantes, frações de vidas, brevidades. Sou todos os homens e mulheres, estão todos em mim. Um sorriso, uma lágrima, um carinho. Fatos alegres ou tristes de serem lembrados, que compõem minha memória de mundo. Histórias. Vidas.

Obrigada por dividir a sua comigo.

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postado por Aleksandra Pereira às 12:03 PM | 2 comentário(s)
terça-feira, outubro 24, 2006
O Eterno Espanto
Que haverá com a lua que sempre que a gente a olha é com o súbito espanto da primeira vez?
[Mario Quintana_
Da preguiça como método de trabalho, 1987]

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postado por Aleksandra Pereira às 6:05 PM | 2 comentário(s)
Meu sonho possível é publicar um livro. Um não, dois: um de contos, e um romance.

Já escrevi uma vez um post onde relatava minha já antiga paixão por livros. De um modo estranho, não guardo amigos de infância, olho para trás e não vejo raízes. Os únicos que reconheço facilmente são aqueles que me acompanham até hoje: Machado, Flaubert, Calvino, Shakespeare, Woolf, Rosa, Wilde, Veríssimos, Rey e outros tantos, sempre com um à mão.

Eternos companheiros. Minha biblioteca é meu santuário, meu conforto, paixão adquirida antes de me deixar envolver pelos já incalculáveis filmes que assisti. Mas foi de tanto ler que cresceu em mim o desejo de me tornar escritora, de criar e imaginar histórias para as mais diferentes vidas, mas as de pessoas comuns, com carne, osso e sentimentos.

Hoje escrevo roteiros para cinema, tv, vídeo. Adoro essa atmosfera de escrever, produzir, finalizar, esse trabalhoso e gratificante processo de atuar em equipe, saber ouvir e também falar na hora certa, bem diferente de meu ainda solitário hábito literário com os contos que posto aqui e que me deram a oportunidade de conhecer pessoas incríveis.

E esse hábito deixou de ser paixão, para se tornar amor para a vida toda.


Este post quem me propôs foi o queridíssimo Felipe do Liperama, através do projeto Sonho Possível, criado no blog Indizível. A idéia do Leonardo é reunir amigos blogueiros nessa postagem de sonhos, para nos conhecermos melhor. A proposta completa está disponível no link, e é uma oportunidade de conhecer esse outro blog bacana.


Adorei a idéia, e gostaria de convidar para levar essa corrente de sonhos possíveis para a frente a Andréa N. do In other worlds..., o Sandman of the Endless do [breviário de decomposição], e o Ivan, do Vertentes de Mim. Espero que gostem.

ilustração: Quint Buchholz _man on ladder

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postado por Aleksandra Pereira às 4:23 PM | 5 comentário(s)
quinta-feira, outubro 19, 2006
Versão Beta do Blogger
Caríssimos,
além de trocar o visual do blog, estou usando a versão beta do Blogger.
Ganhei uns recursos bacanas, a indexação ficou muito mais simples e rápida, e poder categorizar os posts dentro do próprio programa ficou fácil de encontrar o que se procura. Quem quiser ler todos os "Contos", por exemplo, é só clicar na label "Contos", e assim com os temas "Diálogos ao vento", "Benzadeus", "Lágrimas Lavadas visita e recomenda", e outros.

O lado ruiem foi perceber que não posso postar comentários em blogs não-beta, conflitos técnicos. Tenho enviado os comments como "Outro", sem me logar, e tem funcionado. Eles prometem resolver o problema. Vamos esperar.

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postado por Aleksandra Pereira às 10:50 AM | 4 comentário(s)
quarta-feira, outubro 18, 2006
LÁGRIMAS LAVADAS VISITA E RECOMENDA # 3
[breviário de decomposição]

Em seu resumo, Sandman of the Endless nos informa que seu blog trata das "Memórias, impressões e devaneios do mais insensível dos seres...", mas não é bem assim. Ao conhecer suas listas de livros adquiridos e imaginar a composição de sua biblioteca, só pode se tratar de alguém dotado de grande sensibilidade.

[breviário de decomposição]

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postado por Aleksandra Pereira às 2:11 PM | 3 comentário(s)
segunda-feira, outubro 16, 2006
"Se"
Se, ao final desta existência,
Alguma ansiedade me restar
E conseguir me perturbar;
Se eu me debater aflito
No conflito, na discórdia...

Se ainda ocultar verdades
Para ocultar-me,
Para ofuscar-me com fantasias por mim criadas...

Se restar abatimento e revolta
Pelo que não consegui
Possuir, fazer, dizer e mesmo ser...

Se eu retiver um pouco mais
Do pouco que é necessário
E persistir indiferente ao grande pranto do mundo...
Se algum ressentimento,

Algum ferimento
Impedir-me do imenso alívio
Que é o irrestritamente perdoar,

E, mais ainda,
Se ainda não souber sinceramente orar
Por quem me agrediu e injustiçou...

Se continuar a mediocremente
Denunciar o cisco no olho do outro
Sem conseguir vencer a treva e a trave
Em meu próprio...

Se seguir protestando
Reclamando, contestando,
Exigindo que o mundo mude
Sem qualquer esforço para mudar eu...

Se, indigente da incondicional alegria interior,
Em queixas, ais e lamúrias,
Persistir e buscar consolo, conforto, simpatia
Para a minha ainda imperiosa angústia...

Se, ainda incapaz
para a beatitude das almas santas,
precisar dos prazeres medíocres que o mundo vende...

Se insistir ainda que o mundo silencie
Para que possa embeber-me de silêncio,
Sem saber realizá-lo em mim...

Se minha fortaleza e segurança
São ainda construídas com os materiais
Grosseiros e frágeis
Que o mundo empresta,
E eu neles ainda acredito...

Se, imprudente e cegamente,
Continuar desejando
Adquirir,
Multiplicar,
E reter
Valores, coisas, pessoas, posições, ideologias,
Na ânsia de ser feliz...

Se, ainda presa do grande embuste,
Insistir e persistir iludido
Com a importância que me dou...

Se, ao fim de meus dias,
Continuar
Sem escutar, sem entender, sem atender,
Sem realizar o Cristo, que,
Dentro de mim,
Eu Sou,
Terei me perdido na multidão abortada
Dos perdulários dos divinos talentos, Os talentos que a Vida
A todos confia,
E serei um fraco a mais,
Um traidor da própria vida,
Da Vida que investe em mim,
Que de mim espera
E que se vê frustrada
Diante de meu fim.

Se tudo isto acontecer
Terei parasitado a Vida
E inutilmente ocupado
O tempo
E o espaço
De Deus.
Terei meramente sido vencido
Pelo fim,
Sem ter atingido a Meta.

Professor Hermógenes
Livro: Canção Universal

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postado por Aleksandra Pereira às 10:23 AM | 5 comentário(s)
sexta-feira, outubro 06, 2006
AI, ADELAIDE!
- Adelaide, passa a pipoca. A pipoca, Adelaide!

- Psiu! Quieta!

- Mas eu tô com fome!

- Dá logo essa pipoca prá menina, Adelaide.

- Peraí. Ai, como ele é lindo...

Adelaide, nossa heroína, é uma jovem decidida, curiosa e romântica. Do alto de seus incompletos 16 anos, seu maior sonho é sair de sua cidadezinha e viver uma vida de estrela de cinema, ao lado, é claro, de um ator incrivelmente famoso. Um desejo nada incomum na cabecinha fértil de uma jovem sonhadora.

Seu refúgio são as salas do Cine Marechal. Nelas, seu pensamento voa e ela se imagina vivendo todas as aventuras, curtindo todos os momentos românticos e de grande paixão, contracenando com astros e estrelas tão conhecidos e familiares, num mundo onde todos falam inglês, é claro, inclusive ela. Sua admiração pelo mundo do cinema é tão grande, que muitas vezes Adelaide confunde realidade e fantasia.

Suas melhores amigas são Neide e Cidinha, que dividem com Adelaide o gosto pela sétima arte, mas muito mais realistas e interessadas nos moçoilos da cidade mesmo.

- Ai, que tédio!

- Adelaide, pára de reclamar da vida, mulher.

- É, Adelaide. A vida aqui é tão boa, tranqüila...

- Esse é o problema: não acontece nada nessa porcaria de cidade! Ai, como eu queria que um grande astro viesse me buscar aqui, me tirar desse fim de mundo!

- Adelaide, Alegria não é uma cidade tão ruim assim de se viver.

- Alegria? Essa cidade é uma tristeza de dar dó!

- Ai, Adelaide!

Além disso, Cidinha e Neide partilham entre elas o gosto pela mais marcante paixão nacional: a televisão. Acesso às novelas, notícias, programas humorísticos, logo ali, na sala de suas casas, sem se preocupar em que roupa vestir para agradar os brotinhos. Só mesmo Adelaide ainda não se interessara pela “caixa mágica”, sempre pensando em seu grande amor da semana, ou da última sessão de cinema.

Adelaide é uma moça bonita mas de temperamento forte, como Catarina, de “A Megera Domada”. Ela quer escolher seu amor, não ser escolhida. Alguns já tentaram, mas ela não cede. Entremeando realidade e fantasia, ela vai levando sua vida até que um dia um grande astro a leve dali. Sua persistência em seu desejo é tão intensa, que Adelaide humilha o pobre do aprendiz de padeiro Pereirinha, filho do senhor Pereira. O triste rapaz a segue por todos os lugares, suplicando um olhar, um gesto, uma palavrinha, e nada. Ao seu lado, Adelaide imagina uma vida inteira atrás do balcão, com seus filhos se tornando padeiros, seus netos...

Adelaide preocupa a mãe, Dona Nair. Mal come, vive suspirando pelos cantos. Toda semana, um nome de homem diferente: Guilhermo Alejandro, Felipe Anselmo, Mateus Ventura, Lourenço Aguiar... e sempre apaixonada por todos. Mal come. Diz que se alimenta com o seu amor...

- Menina, amor só enche barriga quando a moça engravida. O que você andou aprontando, Adelaide?

- Ai, Dona Nair!

Sua mãe faz o que pode para conter as loucuras da filha. Vive ajoelhada em frente ao seu altar para Santa Rita de Cássia, com seu terço na mão, pedindo paz e juízo para a filha desvairada:

- Ai, minha Santa Rita de Cássia, ajude a Adelaide! Faça com que ela crie juízo, que esqueça de uma vez por todas essa história de cinema e arrume logo um bom namorado para fazer um bom casamento. Tô vendo que ela vai ficar é solteirona e pra titia, que Silene tá é cuidando da vida dela.

Adelaide, em seu quarto, também reza para sua Santa Rita, mas não aquela mesma de sua mãe:

- Ai, minha Santa Rita, minha Santa Ritinha. Minha Santa Rita Hayworth, faça com que meu príncipe encantado de Hollywood venha logo me buscar, para o meu casamento dos sonhos. Não quero ficar solteirona! Ah, e me faça ficar poderosa como a senhora em “Gilda”, por favor. Amém.

Adelaide possui excepcional talento para copiar os figurinos de suas musas inspiradoras. Vira noites debruçada sobre a máquina, cosendo, procurando o que fazer naquele lugar, o que acaba lhe dando uma boa idéia: já que possui energia e tempo de sobra, além de ser boa em copiar vestidos, por que não costurar para fora? Como diria sua mãe, “distrai a cachola de besteira, e também vai te dar um dinheirinho”.

E assim Adelaide seguiu levando sua vidinha. Foi com orgulho que viu seu trabalho ser requisitado por todas as senhoras de Alegria, tornando seu mínimo espaço de produção no “Ateliê Adelaide – costuras de classe”. Costurava dia e noite e ainda com três ajudantes, pois sozinha não dava mais conta. Mal via Neide e Cidinha, que namoraram, desmancharam, namoraram, até noivarem e se casar, deixando a cidade muito antes de Adelaide, que já se aproximava dos 30. Neide se tornou professora na capital e vizinha de Cidinha, que perseguiu seu sonho e se tornou garota-propaganda na televisão. Vendia de tudo, mas o que mais gostava era de anunciar produtos alimentícios.

A mais nova e, por incrível que pareça, duradoura paixão de Adelaide era Leandro Villar, astro do cinema paulista, protagonista de fitas badaladas como “Sem fronteiras para amar” ou “Colinas da Paixão”, um tipão. Sua mais recente produção, “Amor do interior” procurava um local ainda bucólico para as filmagens, e anunciaram justamente gravar em Alegria alguns trechos. Como Adelaide amava sua cidade!

A praça principal estava escura de tanta gente, fios e equipamentos. Adelaide tenta daqui, se estica dali, e consegue ver o que acredita ser o pescoço de Leandro Villar, o mais perto que já chegara de um astro de cinema. Esperará atentamente que acabem para correr e lhe falar qualquer coisa, se não estiver emocionada para tanto.

Mas aquele dia passava devagar. Horas e horas onde cenas se estendiam, sem Adelaide entender. Quantas vezes repetiam o mesmo trecho, arrastando a câmera, e de novo, e mais uma vez. Nunca havia imaginado que ver uma produção assim, de perto, seria tão... chato. Cansou. Precisava ir ao banheiro.

Adelaide sai correndo por entre a multidão, quando tropeça em um dos muitos fios, ou pés, não se recorda. Só sabe que tropeçou, caiu e bateu a cabeça, o que comprova a fina cicatriz que ficou depois. Acordou com o céu escuro sobre si, de pessoas amontoadas, curiosas. Entre elas, segurando sua mão, Leandro Villar. Só podia estar vendo coisas.

- Me deixem passar, é minha filhinha, Adelaide! - gritava Dona Nair.

- Eu estou bem, estou até vendo estrelas – respondeu uma atordoada Adelaide.

- Calma, minha pequena. Você sofreu um pequeno acidente, mas está bem. Eu a levarei para casa, daremos uma pausa – disse Leandro Villar, voz suave, com todo o charme que ela via na sala escura do cinema.

- Isso, mãe, ele me levará daqui, eu falei...

- Moço, vamos logo, ela tá delirando!

- Se eu estiver delirando, por favor, não me acordem!

Adelaide voltou para casa nos braços de Leandro Villar, super astro, seu astro, o grande amor de uma vida. No caminho já se imagina entrando na mansão deles, recém-casados, os três filhos lindos e bem cuidados, as festas que iriam, a vida que levaria...

Leandro Villar limpa com cuidado o machucado em sua testa, ali, tão perto dela.... Aqueles olhos! Sempre lhe denotavam algo familiar, mas assim, tão próximo, a suspeita crescia, urgia, gritava:

- Perei... Pereirinha?

- Eu.

- Você é Leandro Villar?

- Leandro Villar sou eu, sim.

- Mas por quê?

- A garota por quem eu fui apaixonado era louca por astros de cinema. Um dia, um amigo de um amigo precisava de um figurante para uma produção, eu me ofereci, fui muito bem, e aqui estou.

- Por que Leandro Villar?

- Antonio Afonso Ramos Pereira não é nome de ator famoso, não acha?


Leandro Villar, Pereirinha, pega as mãos de Adelaide.

ADELAIDE
E a garota?

PEREIRINHA
(irônico) O que tem ela?

ADELAIDE
(num muxoxo) Não é mais apaixonado por ela?

PEREIRINHA
Não.

ADELAIDE
Ah, que pena.

Adelaide vira o rosto para esconder as lágrimas. Pereirinha pega seu queixo e a faz olhar para ele.

PEREIRINHA
Hoje ela é uma linda mulher, e eu a amo.

ADELAIDE
Oh, Pereirinha!

Pereirinha e Adelaide beijam-se apaixonadamente.

PEREIRINHA
Ai, Adelaide!

CORTA PARA:

INTERIOR – IGREJA - DIA

Adelaide e Pereirinha no altar, igreja cheia, com Cidinha e Neide como Madrinhas e Dona Nair chorando copiosamente.

ADELAIDE (falando para a câmera) Eu não disse que ainda me casaria com um astro de cinema?

NEIDE E CIDINHA (suspirando)
Ai, Adelaide!

FIM

FADE OUT

DIRETOR (OFF)
Corta! A cena ficou ótima, podemos ir para casa, pessoal!

CRÉDITOS FINAIS

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postado por Aleksandra Pereira às 7:05 PM | 5 comentário(s)

LÁGRIMAS LAVADAS© 2006, por Aleksandra Pereira. All rights reserved.