quarta-feira, outubro 25, 2006
COLEÇÃO
Prazer. Me chamo Miranda, sou colecionadora. Mas não reúno coisas comuns como selos, carrinhos, botões, pedras. Coleciono momentos, instantâneos. Não, não confunda com fotografia. Os instantes que coleciono estão vivos, ou já tiveram vida por algum tempo. Podem ser esquecidos pelos que os viveram, pelos que somente observaram. Eu tento apreender todos os passos, gestos, palavras.


Como quando, da minha janela, flagrei um casal de amigos brigando enquanto atravessavam a rua. Não entendi muito bem o que disseram, mas a moça gritava “me deixa!” e empurrava o rapaz, que continuou a segui-la. Era tarde da noite, ela olhou para os lados como que com vergonha que alguém os observasse.

Os revi enquanto seguíamos todos no ônibus metropolitano. Se pegavam, se batiam, falavam besteiras. Ele dizia que o cabelo dela era ruim, brigavam, faziam birra. Até aquele instante em que a amizade cruzou a fronteira e esbarrou em novas possibilidades, aquele instante em que seus olhos realmente se encontraram. Talvez ali, naquele momento, ele tenha conhecido o que Machado chamou “olhos de ressaca”, e seguiu arrastado, entregue ao fluxo das ondas de sua punk Capitu. E o olhar derivou em um beijo tímido, mas revelador.

Hoje cedo testemunhei um pai agachado para amarrar o tênis da filha que corria para a escola, e esse mesmo pai parado na esquina, depois de deixá-la, para conferir se ficaria bem.

Um rapaz num restaurante olhava o movimento da rua, sozinho, alisando o bigode. Parecia preocupado. Talvez um encontro marcado com sua namorada, para o qual ensaiara um pedido de desculpas, até de perdão, mas nada da moça aparecer. Talvez já estivesse em outra, ou com medo de tentar de novo. Saindo do restaurante um senhor bem magro com sua bengala antiga, carregando uma sacola com o que sobrou de sua refeição. Ele pára para esperar uma senhora, a sua, que se aproxima devagar, com cuidado. Ela combinou os tons da blusa e do casaco com a calça, jovial. Ria divertida, como se lembrasse de uma piada antiga que lhe contaram há tempos, mas que ainda funcionava.

Ao ver minha afilhada acordar de uma soneca, se espreguiçando, quis saber o que ela sonhou. Em sua pureza infantil, me contou histórias de Porquinhos e Caçadores, Príncipes e enormes cavalos, ecos de contos centenários em uma mente ainda não poluída pela televisão.

Acumulo histórias, instantes, frações de vidas, brevidades. Sou todos os homens e mulheres, estão todos em mim. Um sorriso, uma lágrima, um carinho. Fatos alegres ou tristes de serem lembrados, que compõem minha memória de mundo. Histórias. Vidas.

Obrigada por dividir a sua comigo.

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postado por Aleksandra Pereira às 12:03 PM |


2 Comentários:


At quarta-feira, outubro 25, 2006 2:05:00 PM, Blogger Andréa 

Alek, voce viu que seu blog esta entre os melhores da semana no blog do Inagaki? Olha la!
Beijo e parabens! Vc merece.

At quarta-feira, outubro 25, 2006 5:45:00 PM, Anonymous Anônimo 

Sempre temos histórias pra contar e ouvir também. E quando ficamos na janela, sempre presenciamos cenas engraçadas, tristes, enfim...



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