São só meus pais, por que será tão difícil? É aniversário de Nana. Odeio aniversários. Lembrar dos meus é sempre alimentar velhas feridas que ainda insistem em sangrar.
Minha mãe percebe a direção do meu olha e me repreende enquanto alisa o cabelo de Suzana. Mas o ar já estava alterado.
Foto batida, bolo cortado, gritos, aplausos, fatias nos pratos. Meus pais discutindo no cômodo ao lado enquanto fujo dos pedidos insistentes para que abrisse os presentes.
Corro atrás de meu pai, que já ganhava a porta carregando uma mala pequena. Suzana pára comigo na varanda, o suficiente para vermos nosso pai bater enfurecido a porta do carro, onde lhe esperava uma jovem de rosto inchado e olhar mais perdido que o meu, carregando meu meio-irmão na barriga.
Tento me desvencilhar de minha mãe, para correr atrás daquele carro que levava parte significativa de minha família, um pedaço de mim. Talvez para sempre.
Chamo por meu pai, que ajusta o espelho retrovisor, a tempo de me ver correndo antes que virasse a esquina.
Desolado, diminuo o passo enquanto vejo que não é mais possível alcançá-lo. Fico parado no meio da rua, cansado, as mãos nos joelhos.
Distante, assim como no passado, volto à realidade com a buzina nervosa que me pede passagem. Estou quase na entrada de Santos.
Passado. Presente. Futuro.
Odeio aniversários.
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