quarta-feira, setembro 27, 2006
FRAGMENTO INFELIZ

A estrada, com suas inúmeras curvas rumo a um destino desconhecido e tão familiar ao mesmo tempo! Clara me acompanha, mas o silêncio entre nós é pesado, a tensão no ar quase a ser cortada com faca.

São só meus pais, por que será tão difícil? É aniversário de Nana. Odeio aniversários. Lembrar dos meus é sempre alimentar velhas feridas que ainda insistem em sangrar.


A casa cheia de crianças, a maioria delas só levemente conhecidas, mas que sempre apareciam para afanar doces. Minha mãe posicionando a faca do bolo em minha mão, enquanto tenta dominar a máquina fotográfica. Pede meu melhor sorriso, o que não consigo dar. No fundo da sala, meu pai, carrancudo e bebendo algo que não era dos sucos servidos na festa.
Minha mãe percebe a direção do meu olha e me repreende enquanto alisa o cabelo de Suzana. Mas o ar já estava alterado.

Foto batida, bolo cortado, gritos, aplausos, fatias nos pratos. Meus pais discutindo no cômodo ao lado enquanto fujo dos pedidos insistentes para que abrisse os presentes.


Corro atrás de meu pai, que já ganhava a porta carregando uma mala pequena. Suzana pára comigo na varanda, o suficiente para vermos nosso pai bater enfurecido a porta do carro, onde lhe esperava uma jovem de rosto inchado e olhar mais perdido que o meu, carregando meu meio-irmão na barriga.

Tento me desvencilhar de minha mãe, para correr atrás daquele carro que levava parte significativa de minha família, um pedaço de mim. Talvez para sempre.

Chamo por meu pai, que ajusta o espelho retrovisor, a tempo de me ver correndo antes que virasse a esquina.

Desolado, diminuo o passo enquanto vejo que não é mais possível alcançá-lo. Fico parado no meio da rua, cansado, as mãos nos joelhos.

Distante, assim como no passado, volto à realidade com a buzina nervosa que me pede passagem. Estou quase na entrada de Santos.

Passado. Presente. Futuro.

Odeio aniversários.

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postado por Aleksandra Pereira às 9:35 AM |


4 Comentários:


At sexta-feira, setembro 29, 2006 8:51:00 AM, Anonymous Anônimo 

História muito triste Aleksandra. Muito sofrimento, e pior, sofrimento de criança. Detesto ver uma criança triste ou chorando!

At sexta-feira, setembro 29, 2006 2:07:00 PM, Blogger Aleksandra Pereira 

É mesmo uma história triste, Alexandre. Ela faz parte de um texto maior, que ainda está entre um roteiro para cinema e um romance, que trata principalmente da vida desse cara, Alberto, e dessa viagem, que será decisiva e definitiva para ele, para Clara, Suzana, os pais e uma outra pessoa especial parra ele, além do meio-irmão.

O que gosto nela é que sublinha toda a formação futura de Alberto, o quanto esse evento, esse aniversário, influi na sua vida adulta, no trato com os pais, no carinho pela irmã, a forma com que ele trata a namorada. Esse aniversário foi a virada na vida dele.Só espero que ele realmente queira retomar o rumo. Está na hora.

Beijos

At segunda-feira, outubro 02, 2006 9:08:00 AM, Blogger Andréa 

Triste e lindo. Adoro vir aqui te ler. Continue treinando esse enorme talento e sensibilidade.
Beijoca.



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