Recentemente um amigo antigo de colégio me encontrou através do Orkut, surgido de uma época prá mim tão remota que passei o resto do dia aclarando lembranças, avivadas pelas fotografias que guardei - já que não posso mais confiar só em minhas memórias.
De um modo estranho, não guardo amigos de infância, colégio, até de faculdade são poucos os que considero. Sempre que olho para trás, não vejo raízes. Os únicos que reconheço facilmente são aqueles que me acompanham até hoje: Machado, Flaubert, Calvino, Shakespeare, Woolf, Rosa, Wilde, Veríssimos, Sabino, Rey e outros tantos, sempre com um à mão.
Difícil era encontrar alguém que compartilhasse de minhas paixões, literárias ou musicais. Complicado para uma fase da vida onde todos querem se encontrar em grupos, turmas, pensamentos, ficando iguais, comuns. Você quer ser diferente, sabe que freqüentar bibliotecas não é perda, antes um prazer, e que também gostar de músicas mais velhas que seus pais não é nenhum problema.
E na juventude de quem facilmente já recebe vários apelidos, você ganha outros tantos, por não se adequar à maioria. Você não sabe se está triste por ser “diferente”, ou por sentir que, lá no fundo, alguns queriam ser como você.
Lembro que um ano após o término do colegial, já entrando na faculdade, eu era praticamente a única de toda essa turma que não havia casado ou assumido compromissos por uma inesperada gravidez.
Faculdade terminada, tempo passando, cobranças que aumentam: “e o casamento, quando sai?”. A continuidade da família, estabilidade. Me sentia, como li numa revista feminina, “o iogurte na porta da geladeira, com validade vencida recentemente”. Você pode tentar não medir o tempo, mas as pessoas sempre te lembrarão dele.
Mas afinal, não constituir família cedo foi bom ou ruim prá mim?
Queria respostas. Fui resgatar contatos que me indicassem onde estão hoje essas pessoas que fizeram parte de meu passo, saber o que fizeram com suas vidas:
alguns divorciados, com filhos. Outros casados e filhos, com subempregos. Poucos cursaram o 3º grau, e a maioria não trabalha com ou no quê gostaria. Pouco estudaram de lá para cá, e suas vidas basicamente se resumem às famílias, ou ao que restou delas.
São poucos, raros, os que posso olhar a vida e dizer “caramba, que bacana”, pelo sucesso profissional. Pessoal, todos reclamam.
Mas não sei quem trocaria a sua má experiência, pela minha falta de vivência. Eu que continuei a diferente do grupo, eu que não tinha assuntos em comum ao ouvir sobre maridos, bebês, dia-a-dia de um casal em crise, divórcios, recomeços. São coisas que em sua maioria só conjecturo, pois faz parte de meu trabalho como escritora criar e imaginar histórias para as mais diferentes vidas, mas de pessoas comuns, com carne, osso e sentimentos.
A FRAUDE
Foi quando percebi que escrevo sobre a vida desses meus amigos, o que é comum a eles, que viveram e vivem tudo isso. A vida real recriada na ficção é a deles, não a minha. Mesmos nos livros, a vivência me é emprestada. Eu só finjo que vivi.
Marcadores: Pessoal