Os amigos com o tempo viraram só colegas, pois Danilo vivia com e para Sabina. Assim como a amizade, crescera entre eles o amor, quando passaram a atender por Bina e Dan Dan.
***
Oito anos, desde o dia em que se conheceram e ficaram amigos, namoraram e a aproximaram suas famílias.
Novo colégio, idades dos hormônios em fúria, vontade de experimentar outros ares, olhares. Danilo reluta em assumir suas novas necessidades; Sabina, por ser mulher ou mais atenta, percebera as mudanças.
Discussões, desentendimentos. Danilo pediu um tempo para respirar e aproveitar o afastamento, curtir novos sabores, odores. Saiu com outras garotas, mas nada sério. Não custou a perceber a falta que Sabina lhe fazia. Os passeios não tinham mais a mesma graça, e os beijos ofertados não tinham o mesmo gosto dos roubados de Sabina.
Arrependido, Danilo pensa em como surpreender a amada e tê-la de volta. Preparou uma mochila com tudo o que precisava, aguardou escurecer, e saiu.
Dia seguinte, e os moradores do prédio 51 da Rua Américo Vespúcio e todos os passantes no quarteirão – que andassem olhando o chão para evitar buracos -, leram a seguinte inscrição:
Da janela de seu apartamento, Danilo apreciava sua criação. Não dormira, esperançoso, coração na garganta pulando apressadinho.
Sete e meia da manhã, e a família em torno da mesa do café, alheios ao que se passa no íntimo do jovem benjamim. Campainha. O coração de Danilo chegou primeiro à porta, batendo descompassado. Sabina!
E era mesmo, radiante em seus dezesseis anos, com o uniforme do colégio, lábio superior mordido, olhos atentos, leve e fresca, cheirando a sabonete.
Danilo compreendeu ali, na porta de seu apartamento, que Sabina seria para sempre a fonte de seus desejos, alegrias e temores, a caixa de Pandora que guardava os segredos da existência.
Mas a primeira frase de Sabina,
“Por favor, me esquece”
fez o coração de Danilo esquecer de bater.
Da forma mais doce, porém impiedosa aos olhos e ouvidos de Danilo, Sabina lhe contou sobre Edgar. O conhecera em uma festa na praia, e a distração inicial para seus pensamentos acabou se tornando o principal tema deles. Fala frisando sempre o ê, fechado, forte, “Êdgar”. Estava apaixonada.
Agradeceu a declaração, embaraçada, envergonhada por não saber o que fazer com os frangalhos de Danilo – não só o coração, estava inteiro em pedaços.
Danilo fechou a porta, sabendo que, a cada segundo, Sabina se afastava de seu apartamento, de seu amor e de sua vida. Inventou um mal-estar súbito para justificar a ausência às aulas, trancou-se no quarto e se enterrou na cama, buscando dormir e não mais acordar.
Mas acordou, sem poder impedir a chegada de um outro dia. Quis amaldiçoar Sabina, Edgar, a si mesmo. Queria que sumissem os dois, queria sumir. Vizinhos, sabia que veria sempre Sabina, e seu galante “Edgar”.
Enquanto vivessem por ali, veria os beijos ao portão, o convidado para os almoços de domingo, com Dona Sara se esmerando em preparar sua comida predileta.
Danilo se imaginou vendo os presentes de casamento chegando, os filhos levados para a escola, as saídas para a praia com cadeiras e guarda-sol a tiracolo.
E com o tempo descobriu que a dor de todos esses devaneios e suas possibilidades de se tornarem reais era suportável. Podiam se concretizar em dois, sete, doze anos.
Insuportável mesmo era a janela, e dela poder ver todo seu passado e o agora impossível futuro, contidos naquela frustrada declaração de amor, a lembrar um tempo feliz, quando Sabina era apenas Bina, e Danilo, seu Dan Dan.
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