Certa vez, casa arrumada e crianças na escola, Carmen se deu a tarde de folga indo ao shopping, espairecer. De aspecto cansado e descuidado, sua auto-estima não melhorou nada ao ver aquele desfile de mulheres lindas e gostosas. Para piorar: com uma delas, perdido em meio a longos cabelos loiros, estava Evandro. E o cara-de-pau ainda fez de conta que não a viu.
Carmen correu para casa aos prantos, vomitando a alma. Fez sua mala e a dos filhos, tomando o caminho para a casa dos pais.
Chorou até secar. E, como a maioria das mulheres que se vêem sozinhas ao fim de um relacionamento, Carmen reassumiu sua vida e seguiu em frente. Evitava Evandro, mas sem afastar os filhos do pai.
Porém Carmen se sentia incomodada ao lembrar da traição do marido. Após anos de dedicação jogados fora, só abandoná-lo não bastava. Faltava ainda o golpe final. Raspou a conta conjunta poupada há anos, e investiu em uma senhora repaginada: roupas, sapatos, cabelos, cabeça. Nunca ficara tão feliz em ver Evandro duro.
E quando o próprio resolveu tirar satisfações, se impressionou com o que viu. Esperava encontrar a esposa na pior, mas ela estava linda, mais ainda que no início do casamento.
Ele então tentou de tudo: desculpas, serenatas, flores. Dizia-se arrependido, e que já era hora de ser perdoado.
Carmen o recebeu de volta. Foi a melhor esposa, a mais devotada mãe, a mais fogosa amante. Evandro não tinha do que reclamar, até começar a receber misteriosas cartas, estranhos telefonemas. Alguém, dizendo-se seu amigo, o avisava da traição da mulher.
Inseguro, preocupado, Evandro não mais dormia ou comia direito. Vigiava a mulher em todos os momentos, inclusive nos mais íntimos. Revistava sua bolsa, cheirava seus cabelos. Tentava estudar cada mudança, por mínima que fosse. Nada.
Procurou não ligar para as denúncias de infidelidade, decidindo seguir feliz. Mas um engarrafamento na Marginal, plena hora do rush, o fez mudar o caminho habitual. Buscava uma rota alternativa, mas não teve como não ver sua mulher em um carro, saindo de um motel, com a mão nos cabelos ainda molhados e seu melhor sorriso para um homem que não era ele.
Tesourando o tráfego, Evandro chega espumando em casa. Senta e espera. Uma hora depois é Carmen quem chega com os filhos e suas mochilas de colégio, uma esposa no melhor momento de mãe exemplar.
Reprimindo toda a raiva, mágoa, Evandro a questiona, interroga, aponta. Carmen só ouvia, calada, plácida. Sua reação o intriga. Esperava que Carmen se defendesse, chorasse, se ajoelhasse pedindo perdão, mas nunca que agisse assim.
Abalado, confuso, Evandro quer respostas. Precisa delas.
- Fala logo, Carmen. Era você, não era? Com outro, saindo do motel?
- (...) Era.
- E fala assim, de cara lavada, como se isso não fosse nada, sem nenhuma consideração por mim?
- A mesma que teve por mim aquele dia no shopping, cheirando o cabelo daquela loira?
- Carmen, você ainda não esqueceu daquilo? Passou, meu amor, foi um erro, eu nem me lembrava mais. E você me perdoou, não perdoou?
- Perdoei.
- E então? Por que tudo isso agora?
- (...) Crime de amor não prescreve.
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