terça-feira, dezembro 18, 2007
COISAS QUE O CORAÇÃO SABE DE COR
Mais um dia de faxina. Cordélia separa o lixo e nele despeja fotos, cartas, discos, lembranças, e os cacos de seu coração partido.

Apostara todas as suas fichas em um homem antes gentil, amoroso, companheiro. Passou a dormir sozinha, grossas lágrimas esquentando o travesseiro.

Se indagava onde errara, o que dissera, o que não perguntara, questões que sabia de cor. Jurara não se envolver, se apaixonar. Mais uma vez se doara, inteira, entregue.

Cordélia se fechou em sua tristeza, em seu mundo sem cor. Enfiou a cabeça no trabalho, mas ao fim de um mês pediu demissão. Faltava amor ao que fazia.

Seu caminhar, esperançoso e confiante, tornara-se tímido, acanhado, inexpressivo. Procurava não chamar a atenção, mantendo no rosto a máscara mais comum do mundo.

Mas mesmo sem intenção, sem querer, Cordélia chamara a atenção de Luiz Gustavo. A apatia da moça lhe inspirava compaixão e vontade de conhecer a mulher que se escondia sob a capa de melancolia. E, sem saber o que fazer, lhe sorriu. Um sorriso que incomodou Cordélia.

E Luiz Gustavo continuava a sorrir. Na entrada do prédio, lanchonete, supermercado. Na barraca de frutas, posto médico, biblioteca. Cordélia não entendia o motivo dele sempre lhe sorrir, e como ele sorria!

Sabia que o rapaz a intrigava. Sonhava com suas covinhas, seus profundos olhos negros, seu olhar impaciente, à espera. “Esperando o quê?”, a moça se indagava.

Cordélia sentiu seu peito doer. Maltratado e sofrido, Cordélia esquecera de seu pobre coração, que ansiava por voltar a pulsar, bater com vontade.

Não, isso não é amor. É hora de largar o cigarro”. E marcou um checkup para tranqüilizar o coração iludido. Pela primeira vez na vida queria uma justificativa em um mal físico, não uma comoção adolescente por causa de um sorriso.

Um sorriso. Já se enganara com tantos outros antes, não poderia ser aquele o certo. No máximo o homem por trás daquele riso delicado a julgara fácil, carente. Como todos os outros.

Os exames lhe viram do avesso. Nada.

Mais saudável do que eu”, brincara um dos médicos.

Seu coração está muito bom”, disse a voz entrando na sala onde ela aguardava. “Coração de menina. Ainda procurando um grande amor na vida?”.

Colérica, indignada, Cordélia quis o pescoço daquele médico que lhe falava assim, pelas costas, de seus próprios sentimentos e...

E antes de dizer alguma coisa, Cordélia se calou.

Não se preocupe. Seu coração está em boas mãos”, disse Luiz Gustavo, sorrindo.

Doutor Luiz Gustavo. O misterioso dono do sorriso instigante, o estranho a quem Cordélia entregou seu coração, que sabia como ele pulsava, em qual ritmo, e agora por quem ele batia.

Cordélia corou, respirou fundo. Identificou o sentimento: era amor mesmo. O que poderia fazer? Afinal de contas, quem um dia entenderia mais daquele sofrido coraçãozinho, do que seu cardiologista?


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postado por Aleksandra Pereira às 1:43 PM |


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