Atravessou a rua correndo, apertando o pedaço de papel bastante amassado na mão calejada: Rua das Oliveiras, 59, apartamento 6. Sabia que o cara morava sozinho. A ordem era para entrar e moer ele de pancada, sem dó.
Chegou. Do outro lado da calçada, o prédio, a guarita de porteiro e o próprio, parado no portão de entrada.
Lembra-se: é só prá assustar. O safado deve uma grana violenta pro seu patrão violento. E ele precisa impressionar. Já não bastava o vacilo da última vez, mais uma daquelas e terá que se ver com o cara, frente a frente. Ou adiantar aquele papo com São Pedro.
Uma mulher se aproxima do prédio puxando um pesado carrinho de feira. O funcionário se adianta para ajudá-la. Ele aproveita o instante, atravessa a rua e entra no prédio, esquivo.
Gostaria de fazer outra coisa na vida. Ser jardineiro. Gostava de plantas, as achava bonitas, coloridas. Mas sua mulher acha vaperda de tempo dar tanta atenção pra um vazinho de flor, quando colocaram quatro filhos no mundo. E o trabalho quem lhe arrumou foi o tio Maneco, estimado na comunidade, não podia dar pra trás.
Com o papel ainda na mão, ele pára em frente à porta de número 6, sem olho mágico. Se ajeita, respira fundo, bate duas vezes. De lá de dentro, voz de homem:
- Quem é?
Ele não responde.
- Quem é?
E ele nada. A porta é aberta, e ele entra, invadindo.
- Ei, que porcaria é essa? (...) Não, por favor, não, eu não fiz nada!
No corredor, o som dos socos, e o silêncio.
A porta abre e ele sai, alisando as mãos, vermelhas.
A do elevador abre, e de dentro sai a mulher com o carrinho cheio de compras. Ela se assusta com ele, que lhe segura a porta. Ela sorri agradecida e sai, procurando e tirando as chaves do bolso. Ele desce pelas escadas.
A mulher pára na porta número 6. Pensa em como o seu marido é devagar e inútil dentro de casa. O que de tão importante tem de fazer que ainda não consertou nem o número da porta? Ela inverte o 6 transformando-o em um 9, põe a chave na fechadura, tira, gira a maçaneta e entra, fechando a porta. O número 9 se torna 6 novamente.
Da entrada do prédio, ele ainda consegue ouvir o grito agudo e desesperado de uma mulher, sabe-se lá por qual motivo. Não interessa. Missão cumprida. O chefe ficará feliz.
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