Se tivesse tido mais momentos com meus filhos. Momentos simples como esse, como um curativo num joelho, um beijo de boa-noite. Aniversários. Festas da escola.
Mas eu nunca estava lá, para eles, por eles. Deixei tudo nas mãos da mãe, que além de cuidar da casa, levava ao médico, consertava a roda do carrinho.
Disso eu entendia, dar presentes. Tenho que admitir, minha secretária tinha muito bom gosto, sabia o que as crianças queriam. Guardava todas as datas, preferências, números, pratos prediletos, artistas do momento. Eu só assinava os cheques e os cartões, pois não tinha tempo de preenchê-los.
Acreditava que fazia tudo pela minha família, para garantir esses confortos. Sempre em viagens e reuniões sem fim, discutindo negócios e contratos importantes. Ligava para saber das coisas, sempre rápido, sempre correndo.
Depois de meses longe de casa, meu coração, em protesto, passa a reclamar. Recomendações médicas me exigiram menos stress, dieta mais saudável, vida em família. Obrigado a desacelerar, deleguei grande parte do trabalho e decidi comandar tudo em meu “Home Office”, curtir um pouco os meus.
Naquele dia, chegando em casa, garotos da vizinhança brincavam com suas coloridas bicicletas e aparelhos eletrônicos. Cercaram meu carro aos gritos. Pedia calma enquanto tirava com pressa minhas coisas do porta-malas, dizendo que queria logo entrar em casa e rever meus filhos, que há tempos não via.
Foi então que o silêncio se fez. Que falta terrível e imperdoável: não havia reconhecido entre os meninos, os meus filhos. Meus próprios filhos.
Tentei me desculpar, consertar. Minha mulher, que presenciara a cena da janela, veio em meu socorro. Me abraçou e aproximou os garotos. Os amigos se despediam, encabulados.
Implorei o perdão deles. O mais velho compreendeu e me abraçou, sem jeito.
Deus, mas o mais novo...
A desilusão em seu peito era tamanha, que ele tremia de raiva. Estampada em seu rosto, a mágoa. O mais sensível, o que mais reclamava minha presença.
Ele não se aproximava, então investi. Esperava que ele me esmurrasse, gritasse, chutasse, que entendesse. Mas ele me evitou e correu, sem olhar para trás, para os lados, para alguém, na escuridão de sua revolta, na sua raiva que era totalmente culpa minha, e não viu o carro que queimava o farol.
Se eu tivesse sido o pai dele, esse menino na bicicleta poderia ser o meu filho.
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