segunda-feira, agosto 29, 2005
- O que foi?
- Nada.

Pausa.

- Me lembrei de uma tarde, tão parecida com essa...
- Eu sei. A primeira vez que jantamos juntos.
- A gente caminhou demais, e nos perdemos. Você ficou tão nervosa...
- E você, rindo da minha cara! Aí você colocou a mão no meu ombro, e me olhou com um ar tão feliz! Nunca me esqueci do teu olhar ali, naquele momento.
- Então você disse: “nós nos perdemos, seu bobo!”.
- E você olhou bem nos meus olhos e falou: Não, eu é que estou perdido.
- Por você.
- Pra sempre.
- É, pra sempre. Pena que o para sempre da realidade não seja igual ao das histórias: e viveram felizes para sempre.
- Até a primeira briga.

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postado por Aleksandra Pereira às 8:39 PM | 2 comentário(s)
Alda era uma bruxinha muito, muito má, que vivia aprontando. Sua maior diversão era passar os dias pregando peças nos outros, como transformar água fresca em um chá bem amargo, ou fazer as coisas sumirem, deixando seus donos preocupados.

Mas Alda nunca se divertia: a bruxinha não conseguia dar um sorrisinho, uma risadinha. Nada, nem mesmo uma daquelas famosas risadas de bruxa.

Ela bem que tentou algumas vezes, mas tudo em vão, porque o que se podia ouvir no lugar de uma risada, era um horripilante grunhido...

A bruxinha Alda reparou que quem mais sorria no mundo era a criançada. Ela morria de inveja das crianças que podiam rir com vontade, sem medo de dar uma estrondosa gargalhada.

Aí ela pensou, pensou, pensou, pensou tanto, que raios e fumaças saíram de sua cabeça. (Pensar era algo que a bruxinha não fazia muito bem!)

Alda decidiu preparar um plano enorme e malvado: iria se aproximar de todas as criancinhas e roubar delas todos os sorrisos e gargalhadas.

Ai, meu Deus: o mundo inteirinho iria ficar sem os risos e as gargalhadas das crianças!

Assim, a bruxinha Alda, voando em sua vassoura mágica, percorreu todo o mundo, levando embora as risadas infantis.

Quanto mais a bruxinha roubava as risadas, mais ela tentava dar uma boa gargalhada (de bruxa, é claro!). Mas seu coração era duro como uma pedra e, por mais que tentasse sorrir, só se ouvia mesmo um terrível uivo.

No dia seguinte, Alda notou que estava tudo muito calmo. Curiosa, saiu para ver o que havia ocorrido.

Como as crianças não podiam mais sorrir, nem dar gargalhadas, o mundo ficou muito, muito triste. Como não viam mais a graça das coisas, as crianças foram deixando de brincar. Seus pais, que não recebiam mais um sorriso feliz de seus filhos quando chegavam do trabalho, também foram ficando tristes.

O mundo inteiro foi desbotando, perdendo a cor.

Alda, da janela do seu castelo de bruxa, procurava ouvir os sons do mundo, mas já não ouvia mais nada. Seu plano havia dado certo.

A bruxinha vibrava, dançando pelo quarto. Ao passar por um de seus espelhos, Alda levou um tremendo susto:

Ela ainda estava colorida!

E agora? Se as pessoas a vissem assim, com cores, logo saberiam que foi ela quem sumiu com todas as risadas.

Alda decidiu ficar bem quietinha em seu castelo, escondidinha, enquanto pensava em alguma forma de poder se salvar dessa encrenca.

Os dias foram passando bem devagar, quase nada acontecia. As pessoas, infelizes, se arrastavam pelos cantos.

A bruxinha havia conseguido o que queria, acabar com todas as risadas gostosas do mundo. Mas era tão sozinha, que não tinha nenhum amiguinho para rir de sua travessura. Mesmo que tivesse um amigo, ele agora também estaria triste, sem sorrir.

Ela também não gostou nada de olhar pela janela e ver aquela paisagem tão cinza. Não queria admitir, mas estava sentindo falta de toda aquela explosão de cores. Deveria ter ficado feliz, mas não: ficou foi cada vez mais triste.

Alda pensou, mas não muito, pois agora sabia o que era certo fazer: pegou o enorme saco onde havia guardado as risadas das crianças, montou sua vassoura mágica, e saiu voando do castelo.

Bem alto, lá no céu, A bruxinha abriu o saco com todas as risadas. Assim que se viram livres, elas começaram a cair e a voar, procurando por suas verdadeiras donas, as crianças.

Mal as risadas encontravam sua criança, essa já voltava a sorrir. Ria uma risada tão gostosa, que enchia a casa todinha de alegria.

A bruxinha Alda devolveu as risadas de todas as crianças do mundo. Assim como o saco que ficou vazio, seu coração também estava mais leve.

Enquanto voltava para o seu castelo no alto da colina, Alda percebeu que tudo tornou a ficar colorido, e a bruxinha podia ouvir que, novamente, o mundo inteiro sorria.

Alda tentou mais uma vez dar uma risada. Nada. Não conseguiu dar nem uma risadinha, nem mesmo um sorriso sem graça. Ela ficou muito, muito infeliz.

As risadas das crianças foram ficando cada vez mais altas. A bruxinha ficou ainda mais triste, pois também queria rir junto, mas não podia.

Alda achou tudo muito estranho: as gargalhadas estavam agora tão perto e tão altas, que pareciam poder derrubar as paredes do castelo, de tanta força.

Resolveu olhar pela janela. Tamanho foi seu susto, quando viu centenas de crianças que riam e gargalhavam na entrada de seu castelo, felizes e brincando.

A bruxinha Alda desceu as escadas do castelo com muita pressa, brava que só. Imagine, as crianças irem até lá só para rirem dela! Iria expulsar todas elas dali, para que pudesse voltar a ficar sossegada. E sozinha.

Alda abriu as enormes portas do castelo, que foi invadido pela criançada. Em instantes, o lugar que antes só conhecia a bruxinha, ficou cheinho de crianças animadas!

Que atrevimento!

Alda, com raiva, resolveu roubar as risadas das crianças de novo quando, de repente, um menino parou à sua frente, rindo.

O menino ria um riso bem gostoso, e trazia nas mãos uma caixa bem pequenina. Ele entregou a caixinha para Alda, e correu para dentro do castelo, procurando por seus amiguinhos.

A bruxinha Alda, ainda zangada, pensou e pensou se devia ou não olhar o que tinha ali dentro. E se fosse uma brincadeira das crianças para rirem ainda mais dela?

Alda respirou fundo, e resolveu abrir o presente. E assim, no meio daquela agitação de crianças, a bruxinha se surpreendeu com o que viu:

No fundo da pequena caixa, à sua espera, o menino havia guardado uma de suas melhores risadas. Uma risada para Alda.

A bruxinha entendeu que aquelas crianças não estavam rindo dela, mas para ela. Elas ficaram tão contentes por Alda ter devolvido todas as risadas do mundo, que foram até ali para brincar. Para brincar com ela.

A bruxinha Alda percebeu que era triste porque não tinha amigos. Agora, no lugar de seu duro coração de pedra, batia um coração novinho, cheio de esperança e amor.

Alda libertou no ar a risada guardada na caixinha, para que ela encontrasse seu dono, pois não iria precisar mais dela.

E assim a bruxinha se misturou às crianças que brincavam, dando uma sonora gargalhada, uma enorme e gostosa gargalhada de uma criança feliz.


Vamos tentar?

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postado por Aleksandra Pereira às 12:51 AM | 4 comentário(s)
Só para desestressar, uma historinha infantil, saindo um pouco dos textos dramáticos costumeiros...
 
postado por Aleksandra Pereira às 12:47 AM | 0 comentário(s)
quinta-feira, agosto 18, 2005
Segunda ou terça-feira
- Virginia Woolf

Preguiçosa e indiferente, vibrando facilmente o espaço com suas asas, conhecendo seu rumo, a garça sobrevoa a igreja por baixo do céu. Branca e distante, absorta em si mesma, percorre e volta a percorrer o céu, avança e continua. Um lago? Apaguem suas margens! Uma montanha? Ah, perfeito - o sol doura-lhe as margens. Lá ele se põe. Samambaias, ou penas brancas para sempre e sempre. Desejando a verdade, esperando-a, laboriosamente vertendo algumas palavras, para sempre desejando - (um grito ecoa para a esquerda, outro para a direita. Carros arrancam divergentes. Ônibus conglomeram-se em conflito) para sempre desejando - (com doze batidas eminentes, o relógio assegura ser meio-dia; a luz irradia tons dourados; crianças fervilham) - para sempre desejando a verdade. O domo é vermelho; moedas pendem das árvores; a fumaça arrasta-se das chaminés; ladram, berram, gritam "Vende-se ferro!" - e a verdade? Radiando para um ponto, pés de homens e pés de mulheres, negros e incrustados a ouro - (Este tempo nublado - Açúcar? Não, obrigado - a comunidade do futuro) - a chama dardejando e enrubescendo o aposento, exceto as figuras negras com seus olhos brilhantes, enquanto fora um caminhão descarrega, Miss Fulana toma chá à escrivaninha e vidraças conservam casacos de pele. Trêmula, leve-folha, vagueando nos cantos, soprada além das rodas, salpicada de prata, em casa ou fora de casa, colhida, dissipada, desperdiçada em tons distintos, varrida para cima, para baixo, arrancada, arruinada, amontoada - e a verdade? Agora recolhida pela lareira, no quadrado branco de mármore. Das profundezas do marfim ascendem palavras que vertem seu negrume. Caído o livro; na chama, no fumo, em momentâneas centelhas - ou agora viajando, o quadrado de mármore pendente, minaretes abaixo e mares indianos, enquanto o espaço investe azul e estrelas cintilam - verdade? Ou agora, consciente da realidade? Preguiçosa e indiferente, a garça retoma; o céu vela as estrelas; e então as revela.


tradução de Roberto Schmitt-Prym
Publicado em Bestiário, Revista de Contos

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postado por Aleksandra Pereira às 1:56 AM | 1 comentário(s)

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