quinta-feira, agosto 18, 2005
Segunda ou terça-feira
- Virginia Woolf

Preguiçosa e indiferente, vibrando facilmente o espaço com suas asas, conhecendo seu rumo, a garça sobrevoa a igreja por baixo do céu. Branca e distante, absorta em si mesma, percorre e volta a percorrer o céu, avança e continua. Um lago? Apaguem suas margens! Uma montanha? Ah, perfeito - o sol doura-lhe as margens. Lá ele se põe. Samambaias, ou penas brancas para sempre e sempre. Desejando a verdade, esperando-a, laboriosamente vertendo algumas palavras, para sempre desejando - (um grito ecoa para a esquerda, outro para a direita. Carros arrancam divergentes. Ônibus conglomeram-se em conflito) para sempre desejando - (com doze batidas eminentes, o relógio assegura ser meio-dia; a luz irradia tons dourados; crianças fervilham) - para sempre desejando a verdade. O domo é vermelho; moedas pendem das árvores; a fumaça arrasta-se das chaminés; ladram, berram, gritam "Vende-se ferro!" - e a verdade? Radiando para um ponto, pés de homens e pés de mulheres, negros e incrustados a ouro - (Este tempo nublado - Açúcar? Não, obrigado - a comunidade do futuro) - a chama dardejando e enrubescendo o aposento, exceto as figuras negras com seus olhos brilhantes, enquanto fora um caminhão descarrega, Miss Fulana toma chá à escrivaninha e vidraças conservam casacos de pele. Trêmula, leve-folha, vagueando nos cantos, soprada além das rodas, salpicada de prata, em casa ou fora de casa, colhida, dissipada, desperdiçada em tons distintos, varrida para cima, para baixo, arrancada, arruinada, amontoada - e a verdade? Agora recolhida pela lareira, no quadrado branco de mármore. Das profundezas do marfim ascendem palavras que vertem seu negrume. Caído o livro; na chama, no fumo, em momentâneas centelhas - ou agora viajando, o quadrado de mármore pendente, minaretes abaixo e mares indianos, enquanto o espaço investe azul e estrelas cintilam - verdade? Ou agora, consciente da realidade? Preguiçosa e indiferente, a garça retoma; o céu vela as estrelas; e então as revela.


tradução de Roberto Schmitt-Prym
Publicado em Bestiário, Revista de Contos

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postado por Aleksandra Pereira às 1:56 AM |


1 Comentários:


At quinta-feira, agosto 18, 2005 3:55:00 PM, Anonymous Anônimo 

Estou mesmo procurando blogs de pessoas que morem na baixada santista. Foram poucos até agora. E menos ainda os que valem apena vasculhar. Esse aqui tem palavras certas. Tem teores ótimos. Gostei e, se me permite, vou vasculhar mais um pouquinho...



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