quinta-feira, junho 22, 2006
Saudades de set...
Ando inquieta...
A literatura me inspira, mas falta cinema na veia...

Um grande amigo, daqueles que ralam, está hoje merecidamente coordenando os programas brasileiros no Festival Internacional de Curtas de SP. Produzi três curtas para ele, e morro de saudades de nossas épocas de total falta de grana, mas de criatividade à mil.

Como diretora de produção do "Último dia", tive que correr atrás de muitas autorizações com a polícia, para podermos filmar nas ruas com tranqüilidade. Algumas cenas que seriam rodadas aconteceriam perto de meu antigo apartamento, na Vila Mariana, então entreguei a documentação do projeto para o Posto da Polícia da Sena Madureira, que me receberam muito educadamente. Autorizações entregues, agora correria para encontrar objetos de cena. O Sr. diretor William, sempre ele, me solicita um item bastante fácil de se encontrar por aí:

uma porta.

A porta que seria usada nas cenas do esconderijo da personagem da Laís.
Pois bem, lá vou eu atrás de uma porta que atendesse as solicitações. E não encontrava nada. Só que, perto de onde eu morava, na Sena Madureira mesmo, existia uma casa onde outrora funcionava uma escola de inglês, que estava vazia mas cheias de trecos na entrada. Passei na frente por acaso, e fiquei de voltar mais tarde. Taí uma coisa que não deveria ter feito: voltar lá.
Pois é. Mas eu fiz. Deixei as coisas que trazia no caminho em casa, e voltei lá. Aqui sublinho: deixei TUDO em casa, inclusive documentos (crianças, nunca façam uma coisa dessas!), só levando minha chave. Estava lá eu, com minha camiseta da Mostra Internacional de Cinema, subindo as escadarias da casa que antes parecia tão inocente, agora me desperta receios. Olho para os lados, e só vejo pedaços de madeira, papelão e caixas para todos os lados. E nada de porta. Resolvo entrar mais na casa para observar seu interior, quando de repente começo a ouvir barulhos. E então pessoas, uns três ou quatro homens, surgem do nada (do nada não, de debaixo daquela montoeira de papelão e madeira!), e me perguntam o que eu estou fazendo invadindo e mexendo na casa deles.

Gelei.
Começo a recuar, tentando explicar que estava ali a trabalho, que não procurava por ninguém, e pensando "como está longe essa porta de entrada. Seja esperta. Corra enquanto pode". Do lado de fora, escuto carros freando bruscamente, próximo ao local. Meu instinto não sei porque pensou : "é a polícia, ficarei bem". Policiais então entram na casa, nervosos, recolhendo as pessoas que estavam ali escondidas, invadindo aquela casa. Começaram a arrastar TODAS as pessoas, incluindo essa que lhes escreve. Comecei a tentar explicar que não era mendiga (olha o nível da situação!), que estava ali a trabalho, mas a policial que me segurava não queria saber de conversa.

Continuei repetindo minha história, quando, por sorte minha, uns dos policiais presente no local havia me recebido no dia em que deixei as autorizações para as filmagens no posto de trabalho dele. Ele acabou me reconhecendo e confirmando que eu deveria estar ali só a trabalho realmente. Agradeci, corri de volta para casa agradecendo por não ter acontecido nada pior. A porta? Bem, acabei não arranjando porta nenhuma. Por coincidência, ao irmos filmar na casa da Carol, encontramos uma dentro de uma caçamba. Se não fosse por isso, lá estaria eu novamente atrás de uma outra porta. E torcendo para não entrar em outra fria, como aquela de filmar no estacionamento dos mafiosos lá na Treze de Maio.

Mais isso já é outra história...

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postado por Aleksandra Pereira às 1:32 AM | 5 comentário(s)
terça-feira, junho 20, 2006
APOSTANDO NO AMOR
Beto e Jussara eram vizinhos de porta, cresceram juntos e juntos fizeram de tudo: pularam muros, roubaram goiabas, se perderam na cidade. Ele até a ensinara a dirigir no carro do pai dele, escondido. Eram como um só.

Até Beto conhecer Marina.

Jussara não gostou dela desde o início, sempre vendo defeitos na “intrusa” que lhe roubava o amigo. Se Marina jogava bola na rua, Jussara criticava sua habilidade, o modo como caía ou perdia uma boa bola, logo Jussara, que diziam ter nascido com dois pés esquerdos. E era ela quem estava lá, sempre, e bem antes de Marina.

O difícil era admitir que Marina era boa, boa em tudo. E ainda por cima linda. Jussara ficava de tromba, para deleite de Beto. Dizia estar a amiga com ciúmes.

Ciúmes?

Jussara esbravejou, bateu o pé, e apostou que aquele namorico não iria durar. O prêmio? Um ano de mesada.

Mas aquele namoro rendia, e Jussara fingia não dar nenhuma importância, até reencontrar Rodrigo, ex-amigo de colégio. Agora ela e Beto mal se viam, se avistavam na escola durante a troca de salas, na praia ou em festas, e o namoro de Jussara e Rodrigo ia bem, obrigada.

Em uma dessas festas, se encontraram Beto, Jussara e Rodrigo. Cumprimentos frios e olhares quentes, saudosos.

Fim de festa, despedidas. Beto no mesmo lugar em que estava quando Jussara chegou. E de lá só saiu quando Rodrigo deixou a namorada para ir ao banheiro.

Beto perguntou a Jussara se, talvez, um dia, pudessem ter uma segunda chance, uma reaproximação. Sentia falta dela, de sua amizade, de seu sorriso, do seu calor.

Rancorosa, magoada, Jussara respondeu que não. Pensou que não queria ser a sobra, ou mesmo herdar as sobras de Marina, que possivelmente o havia largado.

O amigo se despediu, cabisbaixo, deixando um envelope dobrado, suado, apertado. Enquanto Beto caminhava para a porta, Jussara abriu o pequeno pacote. Junto de um papel vincado, notas de dinheiro. A mesada de Beto, inteirinha. E, no papel, a letra acanhada do amigo:

“Perdi a aposta, mas não quero perder você.”

Jussara já tinha ouvido falar ou visto em filmes, cenas onde os mocinhos se separavam pelos mais diversos motivos, e então se procuravam a vida toda. Às vezes o destino os reaproximava, às vezes, não.

às vezes, não.
Vendo sua felicidade indo embora, Jussara precisava tomar uma importante decisão.



A neta no colo ainda não entende qual o motivo daquela reunião, a 32ª, mas distribui sorrisos. Jussara e Beto, agora vovô Roberto, anualmente renovam seus votos com uma aposta, daquelas boas, muito boas, onde todos ganham.

Sorte no jogo,
Sorte no amor. Pelo resto da vida.

Quer apostar?

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postado por Aleksandra Pereira às 8:28 AM | 2 comentário(s)
A frase acima nos foi deixada por Ghandi, e resume a minha resolução em abandonar a minha antiga dieta de carnes e me tornar vegetariana.

Duas pessoas importante nesta decisão - e que nem sabiam disso - foram a Andréa N do "Nothing simple is ever easy", e a Denise Arcoverde, do "Síndrome de Estocolmo". A Andréa, com os lindos posts sobre adoção de cães e a febre de cães feitos sob medida, e os abrigos cheios de pequenos necessitando de conforto e carinho. E a Denise, uma fonte fértil e transbordante de informação, com uma nota divertida sobre o Dia do Orgasmo e a Pamela Anderson.

Sei que não foram os textos somente. A vontade já era grande em fazer alguma coisa, e no último dia 25, ao mesmo tempo que algo se quebrou dentro de mim ao navegar o site do PETA (Pessoas pelo tratamento ético de animais), algo ganhou corpo, ganhou expressão, e a minha forma de manifestar meu repúdio pelos maus tratos aos animais, de poder fazer algo por eles, mesmo que pareça pouco para quem vê.

Podem estar questionando,

Que Diferença Faz Mais Um Vegetariano? Os Mesmos Animais Vão Continuar a Ser Criados e Abatidos Para Consumo!

Nós acreditamos que faz toda a diferença! Desde logo porque acreditamos que todo o sofrimento que possa ser evitado, por insignificante que possa ser, vale a pena ser evitado.

Em segundo lugar, é um fato que o mercado se regula pela lei da oferta e da procura; logo, se houver menos procura para a carne, a oferta irá eventualmente diminuir, diminuindo por conseguinte o número de animais explorados e mortos para consumo.

Em terceiro lugar, achamos que é nosso dever ético contribuir, através das ações e do exemplo, para a mudança que queremos ver na sociedade. Como disse Gandhi, "Sê a mudança que queres ver no mundo".

Esse texto final foi extraído do site da Associação pelos Animais, e resume perfeitamente o que quero dizer. A minha primeira grande barreira, além da adaptação (que está sendo tranquila!), foi vencer a descrença dentro de casa mesmo, em família, mostrar que é uma decisão séria, pensada, com um motivo importante, por ter algo a dizer.

Algumas pessoas torceram o nariz quando souberam, me questionaram se eu não tinha uma causa mais importante pela qual brigar, como a pobreza ou fome no mundo. Claro que são questões tristes e gritantes em sua urgência, mas as mesmas pessoas que me questionaram, não fazem nada por ninguém, seja por um animal, por um desabriagado, por um vizinho necessitado.

Fazemos o que podemos, mas o importante é fazer. Já vemos tão pouco caso com seres humanos, só por serem menos favorecidos, se ficarmos escolhendo "quem é mais importante que quem", pesando vidas em balanças, não chegaremos a lugar algum.


"A única revolução possível é dentro de nós.”
Gandhi.

Aqui no Brasil, conheçam o trabalho do Instituto Nina Rosa - Projetos por amor à Vida:





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postado por Aleksandra Pereira às 8:34 PM | 3 comentário(s)
sexta-feira, junho 09, 2006
PÓS-ESCRITO
Esse menino na bicicleta poderia ser o meu filho. Assim, solto nesse jardim imenso. Seus cabelos caem no rosto mas ele nem liga, tamanho o desejo de avançar e correr, se apossando do mundo, sendo esse jardim, em toda a sua plenitude.

Se tivesse tido mais momentos com meus filhos. Momentos simples como esse, como um curativo num joelho, um beijo de boa-noite. Aniversários. Festas da escola.

Mas eu nunca estava lá, para eles, por eles. Deixei tudo nas mãos da mãe, que além de cuidar da casa, levava ao médico, consertava a roda do carrinho.

Disso eu entendia, dar presentes. Tenho que admitir, minha secretária tinha muito bom gosto, sabia o que as crianças queriam. Guardava todas as datas, preferências, números, pratos prediletos, artistas do momento. Eu só assinava os cheques e os cartões, pois não tinha tempo de preenchê-los.

Acreditava que fazia tudo pela minha família, para garantir esses confortos. Sempre em viagens e reuniões sem fim, discutindo negócios e contratos importantes. Ligava para saber das coisas, sempre rápido, sempre correndo.

Depois de meses longe de casa, meu coração, em protesto, passa a reclamar. Recomendações médicas me exigiram menos stress, dieta mais saudável, vida em família. Obrigado a desacelerar, deleguei grande parte do trabalho e decidi comandar tudo em meu “Home Office”, curtir um pouco os meus.

Naquele dia, chegando em casa, garotos da vizinhança brincavam com suas coloridas bicicletas e aparelhos eletrônicos. Cercaram meu carro aos gritos. Pedia calma enquanto tirava com pressa minhas coisas do porta-malas, dizendo que queria logo entrar em casa e rever meus filhos, que há tempos não via.

Foi então que o silêncio se fez. Que falta terrível e imperdoável: não havia reconhecido entre os meninos, os meus filhos. Meus próprios filhos.

Tentei me desculpar, consertar. Minha mulher, que presenciara a cena da janela, veio em meu socorro. Me abraçou e aproximou os garotos. Os amigos se despediam, encabulados.

Implorei o perdão deles. O mais velho compreendeu e me abraçou, sem jeito.

Deus, mas o mais novo...

A desilusão em seu peito era tamanha, que ele tremia de raiva. Estampada em seu rosto, a mágoa. O mais sensível, o que mais reclamava minha presença.

Ele não se aproximava, então investi. Esperava que ele me esmurrasse, gritasse, chutasse, que entendesse. Mas ele me evitou e correu, sem olhar para trás, para os lados, para alguém, na escuridão de sua revolta, na sua raiva que era totalmente culpa minha, e não viu o carro que queimava o farol.

Se eu tivesse sido o pai dele, esse menino na bicicleta poderia ser o meu filho.


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postado por Aleksandra Pereira às 12:20 AM | 2 comentário(s)
quarta-feira, junho 07, 2006
MODOS DE VER
- Aonde você vai?

- Eu estou te deixando, Felipe, não importa pra onde eu vou.

- Você não vai a lugar nenhum, Lola.

- Como é que é?

- Você não pode me deixar.

- Ah, é? Então me diz um motivo, um só e definitivo, que me faça ficar aqui, com você.

- (...)

- Estou esperando, Felipe.

- Eu preciso de você.

- Motivo errado.

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postado por Aleksandra Pereira às 10:03 AM | 0 comentário(s)
sábado, junho 03, 2006
VERDADES ABSOLUTAS
- A Suzana sente sua falta, pai.

- Sente nada. Aquela sempre foi o xodó da sua mãe.

- Não foi não, pai. Ela sempre quis ser o xodó de alguém. A mãe não lhe dava atenção, e o senhor reclamava que não sabia cuidar de filha mulher.

- Tá, tá.

- É isso sim, pai. Ela sempre se sentiu culpada, responsável pela separação de vocês. Achava que não tinha sido boa filha o suficiente para manter a família unida. Do jeito que ela levava isso a sério, parecia que dependia dela todo o equilíbrio do mundo...

- Sua irmã sempre foi muito exagerada.

- Sempre! Como é que você se vê no direito de julgar alguém que não vê a mais de 20 anos?

- Não me venha ensinar o que eu devo e de que jeito dizer, moleque.

- Tá vendo, pai? É esse o seu problema. O nosso problema. Seu filho é aquele moleque que ficou bem lá trás no passado. Esse moleque não existe mais.



"Singularidades Nuas"

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postado por Aleksandra Pereira às 1:02 PM | 3 comentário(s)

LÁGRIMAS LAVADAS© 2006, por Aleksandra Pereira. All rights reserved.